Jorge Lopez / Reuters

Indicadores de uma boa mãe

Janeiro aponta-me o dedo e diz: “Tu, vê se abrandas, o ano não se faz todo hoje, nem amanhã, há mais dias, muitos dias”. Obediente, calço pantufas (mentira, não tenho pantufas), estico o pernil e penso: é evidente que estou mais louca do que há um ano atrás, antes de ser mãe. 

Como todas as loucas, estou bem mais viva. Sinto um formigueiro tal nas mãos que só um papa-formigas poderia apreciar tamanho banquete. Neste delírio descubro que as minhas mãos têm emprego. E reconheço que foram muito bem empregues este ano que virou. Que ajuda! Por isso, tomei a decisão de promover os meus dedos indicadores. Para lhes levantar a moral. É que ainda acredito no mérito - Ah! Ah! Ah! - e que devemos premiar as nossas carnes que se comportam bem. Elevo-os no ar e agradeço: “Louvado sejam os indicadores!”.

Não seria a mesma mãe sem os meus dedos. Não, não me refiro aos dedos de dilatação. Aos dedos, ponto. Tenho-os todos: dez nas mãos e dez nos pés, estes últimos já me têm safado algumas vezes. Acreditem que é possível apanhar uma chucha com os dedos do pé quando temos um bebé num braço, uma papa na mão e um telemóvel no ombro. Temos é de ter equilíbrio. 

Mas o Dedão d’Ouro vai mesmo para os indicadores, sem os quais tudo seria mais difícil. É que estas falanges carnudas são incansáveis: enfiam-se no bico da tetina do biberão para aniquilar qualquer pingo de leite vivo, entram narina adentro da Laura para soltar o macaco bandido que ela não consegue expulsar, apontam a migalha de pó onde a chucha poderá cair, espalham creme delicadamente como se quer num rabinho de bebé, afogam-se na água do banho a garantir que a temperatura está amena à sua pele tenrinha e limpam cera de orelhas, baba, lágrimas, ranho, cocó.

Os bebés adoram dedos. Quando a Laura descobriu os seus, passava uma boa meia hora no berço, encantada com aquelas coisas a mexerem no ar acima da sua cabeça. Agora, anda esfaimada pelos meus. Quando se enerva, atiro-lhe um dedito, em jeito de lançar o osso ao cão: “Toma, querida” e garanto dez minutos tranquilos de linguagem gestual. E isto levou-me a pensar que todas as famílias deviam saber comunicar, também, por linguagem gestual. Usavam-na quando estivessem em pré-tensão familiar ou quando não lhes apetecesse falar. Cairia para metade o número de divórcios, castigos, fretes, amuos. E ninguém mandava bocas nas costas dos outros, a não ser que lhe apetecesse esbracejar sozinho.

Só um bebé, que sabe lá se sou bonita, feia ou remediada, me pode apreciar genuinamente. Os bebés são sensitivos, sabem que um dedo não é apenas um dedo. Agarram-se às impressões digitais para nos conhecerem porque já nascem a saber que cada pessoa é única. Uma imagem correu o mundo com uma bebé ainda no útero, em plena cesariana, que agarrou o dedo do médico. Vida a conhecer a vida, pelos dedos da mão. 

Todos sabemos que uma mãe de dedo apontado não augura nada de bom. “Já te disse para arrumares os brinquedos!”. Dedo apontado. “Quando um burro fala, o outro baixa as orelhas!” Dedo apontado. “Continua a chorar e eu dou-te uma boa razão para chorares!”. Dedo apontado. Se o dedo da mãe tem a unha pintada, menos mal, especulamos que houve tempo para essa vaidade em afiar as garras e, portanto, não vai borrar a pintura. Mas se o dedo tem unha quebradiça, a mãe está mesmo irritada. Já para não falar do dedo de mãe com unha roída: fujam, bebés!

As mães têm também dedos que adivinham. Trata-se de uma dádiva altruísta que a Natureza providenciou. Mas é um dom que não rende dinheiro às mães, a quem dava imenso jeito um rendimento maior. “Estás aqui, estás a cair”. E o puto cai, parte os dentes e só não leva uma bofetada na cara porque os dentistas estão caros. E a mãe não pode correr o risco de partir um dedo serviçal, trabalhador, amigo.

Indicador, apontador, fura-olho ou fura-bolo. Vivam os indicadores! Dediquemos-lhes tempo de antena, holofotes e purpurinas. Pois que mania de se falar só de mamas, rabos ou coração. Os dedos também são da gente. 

 

Sofia Anjos, 38 anos, directora de contas numa agência de comunicação, foi mãe pela primeira vez em Maio.