Lisboa Beira Baixa
Pioneiro
Chama-se Pioneiro e é uma marca de azeite. Mas agora é também o nome de um espaço onde é possível adquirir e provar produtos originários da Beira Baixa que chegam à capital portuguesa pela mão de uma empresária de Proença-a-Nova.
Os antigos gregos tinham uma predilecção pela dialéctica. A chamada arte da argumentação também agrada aos portugueses, mas a discussão ganha outro sentido se for feita à mesa, com um petisco pela frente. Recorrendo à dialéctica e a um pequeno repasto de presunto, queijo e vinho tinto, assistimos à esgrima de argumentos que se desenrola numa mesa do número nove do Poço do Borratém, em Lisboa. “Onde é que se recebe melhor?”, perguntou um dos convivas. “Na Beira Baixa, claro está!”, respondeu outro. Um outro preferiu ser diplomático: “Portugal recebe bem em todo o lado.”
Não tomámos partido, porque nestas coisas é sempre mais avisado o silêncio aquiescente.
A conversa que presenciámos poderia decorrer numa qualquer adega beirã mas, neste caso, estávamos bem no centro da capital portuguesa, a poucos metros do Rossio. O ambiente que se respira neste local, porém, é o da Beira Baixa, apesar de estarmos a mais de duas centenas de quilómetros da região. Podemos não ter o ar puro das suas serranias mas o resto está aqui. O mel, o queijo, o presunto, o azeite, os enchidos, a broa de milho e o vinho são os grandes embaixadores daquela zona do país — e não falta nenhum nos escaparates do Pioneiro, um espaço de degustação e venda de produtos da Beira Baixa, a maioria dos quais originários do concelho de Proença-a-Nova.
O interior deste local apresenta um aspecto amplo e cuidado, com três salas, resultantes da reconversão de um antigo armazém. A escolha do nome Pioneiro não foi inocente. “Pioneiro é uma marca de azeite e mel que dá nome também a este espaço de degustação de produtos locais no Poço do Borratém”, explicou Maria da Conceição Catarino, proprietária da marca e responsável por este projecto.
Aberto diariamente, das 13h às 22h, o Pioneiro “reúne um conjunto de produtos com características naturais, sem conservantes nem aromas artificiais”. “A carta coloca à disposição dos clientes tanto sabores tradicionais como combinações inovadoras, sendo a selecção cuidada de ingredientes o denominador comum à gama de produtos disponíveis”, sublinha Maria da Conceição Catarino.
Experimentámos algumas destas combinações e ficámos rendidos às tapas com presunto do chef Leonel Pereira, que têm uma base de pão torrado, barrada com pasta de azeitona preta e verde (Probeira), rolinhos de presunto (Lourenço, 12 meses de cura), doce de figo (Sabores da Gardunha) e apontamentos de rúcula dourada com um fio de azeite Pioneiro. Naquele pequeno pedaço encontra-se todo o sabor e saber do que é a Beira Baixa ou, como confidenciou a responsável do espaço, “um misto de emoções e experimentações apuradas ao longo de séculos”.
O Pioneiro nasceu com um firme propósito: “Porque somos produtores de azeite surgiu a necessidade de criar uma marca e colocá-la no mercado; a melhor forma de o fazer seria através da abertura de um espaço de venda aqui em Lisboa e resolvemos apresentar o nosso produto no mercado com este conceito de prova e degustação, combinado com outros produtos da nossa região”, explicou Maria da Conceição Catarino. E acrescentou: “Acima de tudo, queríamos pôr à disposição de quem nos visita o que de melhor se faz na nossa região e um pouco por todo o país.”
A opção pelo Poço do Borratém deveu-se à sua “centralidade” na cidade de Lisboa e também por “o proprietário do imóvel, onde hoje está instalado o Pioneiro”, lhes ter lançado um desafio para ali abrirem o espaço. “A esse desafio não é alheio o facto de também ele ser oriundo da nossa região.”
Porque o projecto necessitava de um cunho de originalidade e autenticidade, os seus responsáveis decidiram associar-se ao chef Leonel Pereira. A união permitiu aliar a “simplicidade da tradição, à mesa do Pioneiro, com criações da sua autoria, que resultaram em sabores originais e invulgares”, explica Maria da Conceição Catarino. “Exemplos como o enchido de veado ou os toutiços de sardinha e atum picante comprovam que a diversidade, desde que aliada à qualidade que é imagem de marca do espaço, permite a todos os paladares e gostos encontrar algo à sua medida.”
Enquanto a conversa com Maria da Conceição Catarino seguia outras coordenadas, os nossos colegas comensais desviaram o rumo da discussão para um assunto mais prosaico — a origem do nome Poço do Borratém. Um dos mais entendidos nestas coisas da olisipografia satisfez a curiosidade: o Poço do Borratém, que ainda hoje existe (escondido no interior de um dos edifícios desta artéria) teve origem hebraica e terá sido instalado por alturas da criação da Mouraria, ali bem perto. Até Gil Vicente se refere a este poço numa das suas obras. Ficámos também a saber que por aqui nasceu João das Regras, o insigne defensor do Mestre de Avis nas Cortes de Coimbra de 1385.
Aliás, se levantarmos o olhar numa das salas do Pioneiro, é possível admirar o tecto original do século XVIII construído em abóbada com “tijolo burro”. Um toque de história num local onde as paredes estão ornamentadas de estantes recheadas com o que de melhor tem para oferecer aquela região beirã.
Quanto aos convivas, a conversa lá seguiu em direcção a outras latitudes porque, neste local, a comida e a bebida são os companheiros de excelência daquilo a que podemos chamar de oratória gastronómica, para invocar novamente os nossos amigos gregos.