Adriano Miranda

Charme entre a natureza

Foi casa de um padre e fez-se ruína, mas, tal como as suas árvores, a Quinta do Pomar Maior soube renovar-se e deu a Arouca um requinte novo, entre o rústico e o moderno.

O caminho até Arouca faz-se bem, sobretudo a partir de Carregosa, quando a estrada começa a serpentear por uma paisagem gradualmente mais rural, num piso irrepreensível que acompanha o contorno dos vales rumo à Freita. Nos dias em que há neblina matinal, os carros até deslizam acima do nível das nuvens, que pairam bem distintas sobre as planícies abaixo da estrada e parecem a jeito de lhes tocarmos o algodão. Um luxo, conduzir assim acima das nuvens, numa serra fértil que, ainda na Área Metropolitana do Porto, já oferece uma paisagem tão distinta da cidade. E é entre distracções como essas que se chega a Santa Eulália, mesmo às portas da vila de Arouca, procurando a Quinta do Pomar Maior entre campos de hortaliça, milheirais, ramadas de uvas e kiwis.

Por aí, a vida já anda mais devagar. Vê-se gente a passar em motoretas, homens a pé de enxada às costas, senhoras que avaliam os forasteiros que chegam. Há ali outro ritmo, as manias da urbe ficaram para trás. Daí a surpresa quando finalmente se entra na quinta: há plantas em todo o lado, árvores que nem sabemos identificar e um relvado aprumado junto à piscina, mas em volta não se esperava aquela arquitectura sofisticada, com casas de arestas assimétricas como as de Rem Koolhaas empoleiradas sobre rochas, um esmerado jardim vertical e um contraste assumido entre diferentes etapas da vida da propriedade — uma fase com mais de 100 anos, patente na pedra original das habitações que Vânia Leal comprou em 2012 e abriu ao público em 2014; e outra com apenas alguns meses, expressa nos novos edifícios com que o arquitecto Paulo Moreira remodelou a quinta.

A recepção repousa agora junto à piscina, num bloco autónomo que acolhe a pequena sala de refeições, cheia de luz natural e delícias campestres como sumos naturais, cerejas do tamanho de ameixas e iogurtes overnight com mirtilos, nozes e outros secos locais. Em frente, o pomar tem cerejeiras, ameixeiras, maracujaleiros, nespereiras e um abacateiro; junto ao chão há batatas, tomates, cenoura, beterraba, morangos, framboesas, carqueja, hortelã, tomilho, cebolinho, manjericão. Galinhas, patos e garnisés correm pelo meio e, como se tudo isso não bastasse para uma aula viva de natureza, em certos dias os hóspedes podem participar em workshops de enxertia, aulas de compostagem ou oficinas de chá com plantas da horta. Quem não quiser sujar as mãos também tem opções: ioga, pilates, meditação, massagens e até jantares temáticos ou provas de vinho na lareira exterior da quinta, plantada em aço discreto na encosta do monte que se enroscou atrás da casa maior.

Recantos como esse, cheios de potencial, existem por toda a propriedade, mas o que a confirma como um refúgio simultaneamente moderno e bucólico descobre-se melhor nos alojamentos, todos baptizados segundo ex-líbris de Arouca. Em grupo, por exemplo, a melhor alternativa é a casa Mosteiro, com quatro quartos distribuídos por dois andares despojados e robustos, para uma verdadeira experiência de vida no campo, realçada por um pátio com churrasqueira para uso exclusivo de quem ficar na casa.

Já para pares românticos ou duos castos, aconselham-se os quartos Mizarela ou Pedras Parideiras, mais aconchegantes e com saída directa para a piscina. Têm pedra nas paredes, paredes de vidro com vista para as rochas, rochas que guardam com fetáceas a janela do duche. Só não têm kitchenette, mas conferem direito ao pequeno-almoço com bolinhos feitos pela Amanda, que é quem mais está pela quinta a acolher os hóspedes.

As duas novas suítes da Quinta do Pomar Maior são, no entanto, as que melhor demonstram como a vida em Santa Eulália pode ser cómoda e prazenteira. A da Freita apresenta-se sobre um pequeno monte e recebe-nos com uma escadaria privada em ripado de madeira como o dos passadiços do Paiva. Lá dentro há uma kitchenette bem equipada, um sofá que pode acomodar um terceiro hóspede e um quarto acolhedor em que a cama se aninha contra a parede e o recorte da cabeceira replica o perfil orológico da serra da Freita.

Sempre em crescendo, resta depois a mais espaçosa e impressionante suíte Trilobites, evocativa dos fósseis gigantes que há milhões de anos percorreram os mares de Arouca. A entrada faz-se por um lago com salamandras e daí sobem-se novos passadiços até um alpendre denso, recortado de um lado por uma fonte sempre a gorgolejar, em cima por frondosas ramadas e à direita pela parede de vidro exterior da sala de estar. Quando então se entra na casa, pouco do que lá encontramos é rústico: entre janelas rasgadas, a cozinha cativante, uma garrafeira a desafiar ser preenchida, um recanto para ler junto à janela e os vibrantes espelhos e lustres do quarto, apetece passar ali o pleno dos dias, esqueça-se lá o turismo! Mas, cometa-se ou não a heresia de cancelar o passeio pelo restante território do Geoparque de Arouca, é só após algumas horas de sono que melhor se percebe a mudança de cenário: de tão estanque que é a suíte, a porta que se abre para a rua abre-se também para uma experiência sensorial — somos subitamente inundados de aragem, de fresco e de cheiro a verde; do trinado de pássaros, do roçagar das árvores e do gargarejo redondo de água corrente sobre água planada. O dia faz-se alegre, cheio de viço, e aquele recanto do alpendre é o portal de entrada numa vida nova, sã e natural. Tudo ali é optimismo, nada nos pode correr mal. Arouca só pode valer a pena.

Quinta do Pomar Maior
Lugar de Barreiros, Santa Eulália,
4540 Arouca
Tel.: 963162137
http://quintadopomarmaior.com/
Preços por noite, constantes todo o ano:
Casa Mosteiro (T4): 185€ quando ocupada por oito pessoas do mesmo grupo, 235€ com seis hóspedes e 285€ com quatro.
Suíte Trilobites (T1): 140€
Suíte Freita (T1): 120 euros€
Quarto Pedras Parideiras: 75€ com pequeno-almoço
Quarto Mizarela: 95€ com pequeno-almoço.

O que fazer

Visitar o Mosteiro de Arouca e a Casa dos Doces Conventuais, ambos com propostas relacionadas com as monjas de Cister e os seus segredos centenários. Ir também à serra para conhecer o Centro de Interpretação Geológica de Canelas, com os seus fósseis gigantes de trilobites; a Casa das Pedras Parideiras, que explica o fenómeno único da rocha granítica que “dá à luz” outras pedras; e os famosos Passadiços do Paiva, com os seus oito quilómetros ao longo das escarpas do rio.

Onde comer

Casa Testinha
Rua 1.º de Maio, 4
4540 Arouca
Tel.: 256 944 281
Conhecida pelo frango frito servido em travessas rápidas e fartas, acompanhadas por canecas de “receita”, com ou sem “sandes de virgens”.

Tasquinha da Quinta

Rua 1º de Maio
540 Arouca
Tel.: 256 944 080
Carnes tenras e bem temperadas que podem ser acompanhadas com um típico arroz de fumeiro.

Assembleia
Travessa da Ribeira, 5
4540 Arouca
Tel.: 256 944 392
Moderno e de gastronomia cuidada, com sobremesas de criação própria como os estaladiços passadiços do Paiva e o crumble gelado das minas crocantes.

A Fugas esteve alojada a convite da Quinta do Pomar Maior