A autora esteve em Lisboa a apresentar o livro
A autora esteve em Lisboa a apresentar o livro Rui Gaudêncio

Sophie Fontanel

A insuportável leveza de dormir sozinha

Sophie Fontanel, editora de moda da Elle francesa, viveu em abstinência sexual durante mais de uma década. O livro A Arte de Dormir Sozinha é um relato desses anos que culminaram num reencontro com o desejo.

Assim que o livro saiu em França, os convites para programas não se fizeram esperar. Sophie Fontanel tornou-se na atracção principal numa feira de aberrações mediática: “A Mulher Sem Vida Sexual”. Sentiu que a tratavam como um “animal estranho” e acusaram-na de narcisismo. “A primeira semana passou e no final o livro estava no top de vendas, entre os três mais vendidos, foi então que as pessoas começaram a mudar de ideias e achar que, se calhar, aquilo não era só a minha história. Talvez fosse um fenómeno, talvez fosse algo muito importante”. E assim Sophie achou cumprida a vontade de ser útil. 

“Talvez Deus, ou outra coisa qualquer, me tenha dado um dom, porque sei que consigo escrever.” Sophie Fontanel acredita que tem um talento especial. Editora de moda da revista francesa Elle, Fontanel é a autora do livro A Arte de Dormir Sozinha, lançado este mês em Portugal pela editora Guerra e Paz, sobre o período de 12 anos que passou em abstinência sexual. Porquê? “Se eu, que sou conhecida em França e sou uma mulher livre, tenho a coragem de falar e dizer que não é nenhum drama não ter vida sexual activa durante mais de uma década, talvez possa ajudar [outras mulheres].”

A abordagem ao sexo, embora que por defeito, vale a Sophie Fontanel comparações a outros fenómenos de popularidade, como os livros de E. L. James ou o último filme de Lars Von Trier, Ninfomaníaca, dos quais faz questão de se distanciar. “Acho que todos somos obcecados por sexo, mas o sucesso de meu livro não tem nada a ver com o de As Cinquenta Sombras de Grey, que nem sequer está muito bem escrito. O meu objectivo era falar sobre sexo sem vulgaridade ou mau gosto. Se me perguntarem o que é o meu livro, respondo que é poesia sobre a solidão de um corpo. É também por isso que nunca vai ter tanto sucesso como o outro.”

Doze anos de liberdade
Uma jovem francesa descobre como é bom estar sozinha e assim fica por mais 12 anos, numa espécie de abstinência sexual voluntária ou ode à liberdade da solidão. Esta é parte da história verídica de Sophie Fontanel, “completamente reinventada” no livro, com personagens compósitas “para não expor a intimidade dos amigos”. O que se perde por respeito à privacidade de uns ganha-se em detalhes da vida íntima da autora. Nas primeiras páginas, lemos sobre a primeira vez que esteve com um homem, aos 13 anos, um episódio nebuloso passado num quarto de hotel, que pode ter estado na origem do mote do livro. “Foi tudo muito mecânico, passado algum tempo senti necessidade de começar de novo, como o botão de reset num computador”, explica. 

Sophie Fontanel lamenta ter demorado tanto a tempo a aprender a dizer “não”. Só o conseguiu dizer 14 anos depois daquela noite mecânica no quarto de hotel com um homem mais velho. A uma abordagem do namorado, respondeu que não, que não lhe apetecia. Tinha 27 anos. “Ele ficou completamente chocado e só disse: ‘Como não queres? Eu sou um homem e preciso’. Foi esse o momento em que desisti.” Nos 12 anos que se seguiram Sophie foi feliz a dizer “não”. Sempre não. 

Nos primeiros tempos ninguém soube que estava sozinha, dormia agarrada à almofada mas todos lhe elogiavam o ar luminoso, como se de um amante novo se tratasse. Aos poucos, disse a alguns amigos, cujas reacções variaram entre tentar seduzi-la ou fazer-lhe um arranjinho. “As pessoas querem que tenhas uma função sexual, quando não tens ficam perturbadas. Muitos acham que quem está sozinho não está completo e só querem ajudar”, afirma. Incentivaram-na ir para a cama com homens e mulheres, só para ter a certeza, mas para Sophie é difícil dormir com alguém que não se deseja.  

Era preferível fantasiar com Robert Redford. Em Paris, numa projecção de Os Três Dias do Condor, de Sydney Pollack, encontrou Redford tão descarnado no ecrã, como ela na sala de cinema vazia, que aceitou um convite imaginário para passarem um quarto dia em Condor. Em África Minha, do mesmo realizador, era a cena do champô em que Denys (Robert Redford) lava o cabelo a Karen (Meryl Streep) à beira rio: “Ali percebe-se o que é realmente o desejo”. 

Sophie e o desejo
No período em que não partilhou a cama – Sophie não se revê nas palavras "castidade", "abstinência" ou "assexualidade" –, a autora do livro A Arte de Dormir Sozinha não deixou de aprender sobre o desejo, o prazer e a sensualidade. O título original da obra, L’Envie (que significa “desejo”, em francês), é uma alusão a essa aprendizagem: “podes não fazer sexo, mas tens sempre l’envie na cabeça”, afirma com um sotaque carregado. “Afinal, o que é o desejo na vida de alguém? Eu posso desejar roupas em vez de homens. Talvez deseje o sol ou deseje ir dar um mergulho. Tudo isto são coisas sexuais.” 

Durante 12 anos, Sophie Fontanel viveu a “pior rebelião da nossa época: a ausência de vida sexual”, como escreveu no primeiro parágrafo do livro. Não esconde que esses anos foram animados por uma porção colossal de sensualidade”, em sonhos e pensamento. “Não significa que às vezes não sentisse falta de sexo, claro que sim. Mas tudo é melhor do que estares na mesma cama que um homem que não desejas ou que não te deseja”, afirma Sophie Fontanel. 

A vida sexual da actual editora da Elle francesa não foi interrompida por falta de desejo, desgosto amoroso ou dificuldades em encontrar parceiros. “Mesmo quando tinha prazer, era aborrecido, nunca extraordinário.” Para Sophie, se não é "super", não se deve fazer. “O prazer é alcançável, mas o prazer que outra pessoa é capaz de dar é enorme, é outra coisa. Quando fazes as coisas por ti própria – e esse é o problema da solidão – és perfeitamente organizada, mas a verdade é que faz falta alguém que perturbe isso”, confessa.

O império dos sentidos
Os anos de abstinência foram-se acumulando até ao momento em que Sophie renasceu para os homens. Reparava como eram bons os braços do condutor ou como certo colega cheirava bem. Reparou ainda que a olhavam de volta. A ponte entre ela, os homens e o desejo reconstruiu-se, em moldes diferentes. “Quando me sentia sozinha, perguntava-me se seria suficientemente sexy ou se deveria agir de outra maneira... Agora entendo que isso são tretas. Trabalho numa revista de moda onde tentamos ajudar a mulher a ser sexy, mas isso é uma treta: os olhos é que mandam. Se tiveres um determinado contacto visual, podes dormir com quem quiseres”. 

No final de A Arte de Dormir Sozinha, Sophie acaba por dormir com quem quer, mas não sem antes avisar: “Cuidado: se deres um passo, estarás a dá-lo na direcção de uma mulher insegura.” A solidão que experimentou entre os 27 e os 39 anos foi como “um conto de fadas, porque era livre e tinha a imaginação, mas com o tempo tornou-se demasiado perfeito”. A leveza da cama vazia acabou porque Sophie Fontanel sentiu que tinha chegado a hora e não ignorou os sinais. “A solidão para mim é um paraíso. Contudo, também pode ser uma droga porque é uma liberdade completa e, por vezes, essa liberdade é insuportável”, confessa.