A autora, em Lisboa, para apresentar o novo livro
A autora, em Lisboa, para apresentar o novo livro Miguel Manso

Mariela Michelena

É possível esquecê-lo com Borges e boleros

O livro É Possível Esquecer-te, de Mariela Michelena acaba de chegar às livrarias portuguesas. Dirigido sobretudo a mulheres presas ao fim de uma relação, o livro “não pretende dar conselhos a ninguém”. Os boleros marcam o ritmo da escrita, com referências que vão de Jorge Luís Borges à Carrie da série Sexo e a Cidade. Afinal, a psicanalista quer que seja como “tomar um café sentada num sofá com as leitoras”.

“Para o senhor Santos Michelena e para D. Gladys Paggioli, que não conseguiram esquecer-se um ao outro.” Mariela Michelena dedica o livro aos pais, que se divorciaram há 40 anos e vivem juntos há 30, mas é às leitoras do seu livro anterior Mulheres Mal-Amadas (Esfera dos Livros) que agradece, apesar de saber que o público do seu novo livro é outro: “A maioria são pessoas que já terminaram a relação. As leitoras de Mulheres Mal-Amadas escreviam-me a pedir ajuda enquanto as leitoras de É Possível Esquecer-te escrevem a agradecer-me.” São dezenas de casos reais (de leitoras ou pacientes) que ajudam a compor a espinha dorsal do novo livro da psicanalista venezuelana.

Há uma razão para Mariela Michelena ter deixado de fora as suas experiências pessoais: “Todas as outras são suficientes. As minhas histórias de amor e desencontro, que vivi como toda a gente, servem só para me recordar de como me sentia na altura. O que me ia na cabeça.” O seu lado mais íntimo mostrou-o no primeiro livro que escreveu intitulado À Noite Sonhei Que Tinha Peito (Esfera dos Livros, 2010), um relato da sua luta contra um cancro da mama. “Nem sei se fiz bem em publicar essa história. Há médicos que recomendam o livro a doentes oncológicos e quando vejo que cumpre uma função parece-me que faz sentido. Noutras alturas arrependo-me porque sinto que é demasiado íntimo”, confessa a autora. 

 

Bye, Bye Mr. Big 

O que Mariela Michelena quer com É Possível Esquecer-te é acompanhar as leitoras, “dar-lhes a mão” e “conversar no sofá”. Ora, se em Mulheres Mal-Amadas procurou libertar todas aquelas que se encontravam presas a uma relação em que não eram valorizadas, Mariela sente “uma certa responsabilidade” para com as leitoras “mal-amadas” que acabaram um namoro ou casamento mas estão a sofrer por isso. “Eu tento acompanhá-las naquele momento de dor e duelo. Não dou conselhos nem receitas para ultrapassar isso porque ninguém as segue. Até podem aliviar por um momento, mas cada pessoa só faz o que pode, não o que lhe dizem para fazer”, afirma a psicoterapeuta.

A diferença entre aconselhar e acompanhar resume-se nas palavras de Mariela: “O que eu faço no livro é dizer: ‘Isto vai acontecer-te, é normal’, ‘vais sentir isto, não te preocupes’, ‘quando pensas assim o que te está a acontecer é isto’”. Explica-se às leitoras com a ajuda de casos reais mas também com episódios da cultura popular. Para mostrar que o fim de uma relação também merece um luto, Mariela Michelena poderia citar apenas Freud, mas como “o que interessa é que a leitora entenda” fala também de Carrie, a personagem da série televisiva O Sexo e a Cidade. “Elas podem não ter lido Freud, mas muitas viram a série e sabem o desgosto que Mr. Big deu à Carrie. E o drama que isso foi.” 

No mesmo capítulo Mariela Michelena pode referir o escritor Jorge Luís Borges, a série Anatomia de Grey e rematar tudo com o verso de um bolero. “Gosto de jogar com esses mundos distintos. Leio muito, de maneira que Borges ou Bachelard me ocorrem naturalmente.”  A autora de É Possível Esquecer-te reitera: “Sou psicanalista, mas estou no mundo. Vejo séries e, se encontro histórias que descrevem bem o que eu quero ilustrar, então por que não usá-las?”. Lança uma pergunta à qual responde de imediato: “Quero fazer-me entender, não quero que as leitoras pensem que sou muito culta. Se quisesse isso escrevia um ensaio filosófico, não este livro”.

Abram alas para o choro

Para Mariela Michelena, “a psicanálise fala sobre a vida e a vida é o que é”. Quando lhe perguntamos sobre o risco das generalizações em livros do género, admite que o risco existe mas que “é por isso que o livro tem tantos casos diferentes, para que cada pessoa se possa identificar com pelo menos um, já que ninguém vive o duelo da mesma maneira”. Duelo, desgosto ou luto, Mariela insiste na ideia de que é preciso ter “confiança na vida”, para ultrapassar a perda de alguém. Seja o fim de um namoro ou a morte da outra pessoa.

“Se alguém morre faz-se um tempo de luto e há mecanismos sociais para acompanhar a pessoa que sofre. Mas, para a pessoa que saiu de uma relação e também está num duelo interior, não se permite esse luto.” Mariela Michelena vai mais longe e afirma que “em certo sentido é pior que a pessoa se vá embora do que morra”, ou seja: “ A morte física implica um desaparecimento para toda a gente. Mas o companheiro que vai embora só 'morre' para nós. Ele continua a existir para todos os outros, a actualizar o Facebook e a ir de férias com outra.” Escrever sobre a morte não foi fácil para a autora, mas foi “a forma mais directa de transmitir essa dor, como um murro na cara.“

A perda de alguém acaba por ser um momento delicado também para os amigos e familiares do “recém-abandonado”. É nessas alturas que as amigas se saem com as deixas do costume: “deixa-te de dramas”, “estás melhor sem ele”, “logo arranjas outro” ou “vamos mas é beber uns copos”. Mariela Michelena não podia discordar mais desta abordagem. “Claro que ela está melhor sem ele, mas só se vai aperceber disso daqui a algum tempo. Agora é para chorar”, afirma.  Que devem então fazer as amigas? “Permitir que o outro fale e esteja triste e, de certo modo, delimitar essa tristeza.” Uma amiga pode ajudar a pôr o sofrimento em perspectiva ao trocar o “anima-te” por qualquer coisa como “ok, a tua dor é essa, mas só essa. Não tens toda a dor do mundo.”

É Possível Esquecer-te herdou o título de um bolero e há excertos de músicas a abrir todos os capítulos. Mariela Michelena sobreviveu aos desgostos de amor da adolescência com a ajuda de boleros e depois de algum esforço trauteia o que melhor resume o seu último livro: “Esta vez, ya no soporto la terrible soledad yo no te pongo condición harás conmigo lo que quieras bien o mal.” Se tudo o resto falhar teremos sempre a musica latina.

 

Título: É possível esquecer-te
Autora: Mariela Michelena
Editora: Esfera dos Livros (Colecção Psicologia)
272 páginas
P.V.P: €17