Narciso Rodriguez
"Não sou minimalista, sou purista"
Suave, sussurrante e afável, abre as portas do atelier no day after do seu desfile na semana de moda de Nova Iorque para falar de pequenos luxos: a forma como analisa o seu trabalho, o que mais valoriza na sua cidade e os seus prazeres.
O que ele tem de mais precioso está por trás de um murete branco, rodeado de gente que puxa, ajeita, estica. Fotógrafos, produtores, stylists, ocupa-se das peças da colecção Primavera/Verão 2012 que Narciso Rodriguez mostrara pela primeira vez na noite anterior, na Semana de Moda de Nova Iorque. A equipa do norte-americano de ascendência cubana fotografa o seu look book. Ele está algures, resguardado, noutra sala do vasto estúdio em Manhattan, junto a Union Square. O desfile da noite anterior foi fresco no meio do calor de Setembro, e com top models como Karolina Kurkova, mas hoje Nova Iorque muda de atmosfera - o Verão indiano termina, a chuva chega.
Narciso Rodriguez tem 50 anos e conhece bem esses momentos de viragem - passou por várias casas de moda americanas e europeias, de Anne Klein a Donna Karan e Calvin Klein, passando pelas maisons Loewe ou Cerrutti. Mas "o" momento de viragem foi mesmo em 1996, quando vestiu a colega Carolyn Bessette para o seu casamento com John F. Kennedy Jr. Doze anos mais tarde, foi dos nomes mais discutidos naquele mês de Novembro em que a América elegeu um novo Presidente - Michelle Obama usou Narciso na noite da vitória e toda a gente tinha uma opinião sobre um curto vestido preto e vermelho. Tranquilo e sussurrante, cansado da noite anterior, falámos com Narciso Rodriguez.
Qual é o impacto que uma cidade como Nova Iorque tem no seu trabalho? Como descreveria a cidade e a semana de moda que ela organiza a cada dois meses?
Adoro e vivo esta cidade. Nasci aqui e recebo muita energia dela. É uma óptima plataforma internacional, porque as pessoas olham para Nova Iorque como um lugar onde acontecem coisas - boas, más, muitas. Há sempre entusiasmo. Seja qual for a área, cinema, música, moda, literatura, está a acontecer aqui. Os pensadores mais avant-garde e curiosos vêm para aqui. É um lugar onde a magia acontece.
Trabalhando nesta cidade e com os grandes do sportswear americano aprendeu muito...
Claro, adorava o trabalho de Donna Karan [de quem foi aprendiz na Anne Klein] e tive a sorte de trabalhar em empresas muito americanas que respondiam às necessidades da vida das mulheres - com fatos de banho, vestidos de algodão e vestidos de noite. E com Calvin [Klein]também. A minha experiência de trabalho na Europa também foi óptima, por causa do contacto com os artesãos. Estava a estagiar com alfaiates europeus e costureiras, artesãs de moldes francesas que faziam os mais maravilhosos vestidos em viés. E aprendi muito. Mas eles não foram substituídos por uma nova geração aqui nos EUA, e na Europa essa cultura ainda existe.
Mesmo neste mundo globalizado, no final da era das regras rígidas da moda, podemos falar em minimalismo, por exemplo, nas passerelles e ruas de hoje, e em relação ao seu trabalho?
O minimalismo nunca desapareceu. Evoluiu para coisas diferentes. Quando olho para roupas que são estéreis, que não têm muito a dizer e que pouco expressam são como que... inúteis. Nada dizem. O trabalho, a roupa deve sempre dizer algo, nunca deve ser sobre o "nada".
Nunca gostei da palavra "minimalista" e nunca percebi por que me chamaram minimalista, porque eu ajusto, faço volumes, trabalho com cores e com o limpo... mas acho que isso acontece porque as pessoas precisam de um rótulo, de nos encaixar em categorias.
Então como se define e ao seu estilo?
(Ri-se) Normalmente digo que sou mais um purista do que um minimalista porque gosto de coisas limpas, o que não quer dizer que não sejam complexas. É muito mais difícil fazer algo parecer puro, bom e ajustado do que simplesmente pegar num pedaço de tecido e pôr lá imensas coisas... e esconde muitas coisas [imperfeitas]. Mais uma vez, tem tudo a ver com a arte e o trabalho manual, foco-me na artesania. É a melhor parte do meu trabalho.
Quando assinou o vestido de casamento de Carolyn Bessette e quando Michelle Obama usou um vestido seu na noite da vitória do marido nas eleições presidenciais, o seu trabalho teve uma enorme exposição mediática - de repente o seu nome aparecia em todo o lado. Como viveu esses momentos e qual é o papel deles numa carreira e em particular na relação com clientes célebres?
Quando a Carolyn se casou, a minha vida profissional mudou, a minha vida pessoal mudou, tudo mudou. Foi tremendo. Acho que não sabia mesmo o que se estava a passar, foi tudo muito rápido. Muitas pessoas viram o meu trabalho de forma diferente, muitas pessoas foram expostas ao meu trabalho. Foi uma coisa passível de mudar uma vida.
Foi o mesmo com a primeira-dama. Qualquer pessoa gostaria de a ter como musa, a representar-nos como designers. É tão bonita, esperta e cool. É uma senhora óptima, quando ela usa algo as pessoas olham, tem um óptimo estilo. É muito real, muito moderna, muito "fácil". Não usa necessariamente apenas roupas de autor e escolhe designers interessantes para incluir no seu guarda-roupa. É fantástica.
É impossível falar da sua carreira sem passar pelos perfumes - quando decidiu fazê-los estava a expandir a sua expressão noutro molde sensorial ou foi uma questão de mercado? A típica extensão do designer para o mundo da perfumaria?
Sempre foi um sonho muito real. Adorava fragrâncias de todo o tipo, quando era muito jovem costumava fazer coisinhas e misturas com óleos perfumados, e mais tarde ter a oportunidade de criar algo foi muito divertido. Desenhei frascos e fiz pesquisa, procurei materiais, forcei-os a desenvolver novas tecnologias para criar o que eu queria. Foi um desafio para eles porque acho que no princípio pensaram "O que é que ele percebe disto?".
Pensaram que daria apenas o nome a um aroma que eles desenhariam?
Ou pelo menos pensaram que eu estaria envolvido mas não ao extremo a que estive. Foi muito específico quanto ao que gosto e ao que as fragrâncias deviam ser. Fiquei chocado por descobrir que muitas pessoas na indústria fazem o que você dizia - apresentam-lhes 20 opções para escolha, escolhem o que gostam e põem-no em frasco que esteja em voga e com as cores tendência... e põem lá o nome. E não, isso não ia acontecer aqui!
A BPI é uma boa casa de perfumes e tem grande integridade e não esperavam que eu fosse fazer as coisas assim. Foi muito curioso.
O que é o luxo para si? O que lhe vem à mente?
Ter tempo. É muito importante. Passar tempo com o meu companheiro...
Apreciar a vida.
Sim, é um verdadeiro luxo. E adoro jóias [sorriso brincalhão]. Adoro diamantes - não, estou a brincar. O conceito de luxo hoje é um conceito tão curioso. Toda a gente tem uma marca de luxo, uma etiqueta de luxo, um disparate. Não produzem coisas que sejam verdadeiro luxo. Essas são raras. Acabei de ver umas jóias de Ted Muehling - que nunca compraria e que ninguém que eu conheça usaria -, mas pensei: "Que belo luxo encontrar estas peças raras, poder possuir algo tão artesanal e trabalhado e tão bem".
O verdadeiro luxo é poder ter uma refeição preparada com grande cuidado e amor. Encontrar comida que não seja processada, o que é muito mais fácil em Portugal do que nos EUA. Eu e o meu companheiro viajámos pela Europa este Verão, andámos por sítios extraordinários fora das rotas do turismo e comemos comida extraordinária. Os tomates sabiam outra vez a tomates, e tinham um tamanho normal, não eram aquelas coisas de esferovite enormes...
Texto publicado no suplemento Primus, de 17 de Novembro