Matteo Sinigaglia, o presidente da Replay

Matteo Sinigaglia, o presidente da Replay

30 anos de Replay

"A ganga é uma linguagem"

No que toca à ganga, a tradição ainda é o que era. São poucas as novas marcas que se conseguem impôr numa indústria dominada por alguns nomes emblemáticos. No ano em que celebra 30 anos de existência, a Replay voltou à carga em tempos difíceis. Depois do Festival de Cinema de Cannes, foi um dos patrocinadores dos MTV European Musica Awards e tem um novo conceito para as lojas que continua a abrir na sua expansão internacional. O Life&Style foi a Barcelona, para a inauguração da loja no emblemático Paseig de Gràcia - e à festa de aniversário que se lhe seguiu - para entrevistar Matteo Sinigaglia, que, no ano passado tomou a direcção da marca.   

A nova loja de Barcelona tem um ambiente muito peculiar.

Quando começámos a trabalhar no novo conceito, parámos para pensar no momento que o mundo está a viver e no nosso ADN de marca, no que poderíamos fazer para sermos diferentes dos outros. Somos industriais, claro, porque trabalhamos com denim, mas por outro lado, temos um gosto refinado e muito romântico. E o que é mais romântico do que a nossa casa? Para além disso, temos um grande respeito pela liberdade e as imagens que transmitem maior liberdade costumam privilegiar o verde. Decidimos combinar estas três ideias para criar o nosso conceito de loja e definir-nos culturalmente. Não estamos apenas a distribuir um produto, estamos a expressar uma atitude e uma aspiração. Daí que tenhamos decidido apostar na consistência e, ao mesmo tempo, na exclusividade para a imagem dos nossos espaços. Por outras palavras, cada loja tem algo único, uma espécie de obra de arte. No caso desta loja, é o denim bar que está no rés-do-chão: um expositor de vidro inspirado no balcão de um bar que não se encontra em nenhuma outra loja. Quando uma pessoa vai às compras quer sentir-se relaxada, quase como se estivesse em casa. Há muitas marcas que pressionam para a compra e que querem vender tudo e mais alguma coisa, mas nós acreditamos que as pessoas são perfeitamente capazes de saber o que querem sozinhas. Queremos dar-lhes o espaço de que precisam e que o tempo que passam connosco seja o mais agradável possível.

Este novo conceito de loja é algo que trouxe para a empresa quando, no ano passado, tomou a direcção da marca?

Já trabalhava na empresa há muito tempo, daí que partilhe em grande medida a visão dos seus fundadores. Creio que lhe devemos dar continuidade e que aí está uma das razões que explicam o nosso sucesso. Não se pode mudar os valores de uma marca, apenas podemos actualizá-los. E é isso que estamos a fazer.

Sendo uma marca italiana, as exportações têm um peso significativo para o sucesso comercial. Estão a tentar expandir o mercado de actuação para economias emergentes, como o Brasil ou a China?

Vivi 20 anos na Ásia antes de voltar para a Europa, daí que não tenha dúvidas em afirmar que é um mercado muito importante para nós. Já abrimos lá várias lojas e a resposta dos consumidores tem sido muito boa. É uma potência em desenvolvimento e tem um nível muito alto de exigência no que diz respeito à qualidade do produto. Temos um plano muito ambicioso que engloba toda a Ásia e que estamos a implementar dia a dia. Por outro lado, assinámos um acordo para a América do Sul, que engloba países como o Chile e o Brasil - com particular destaque - e esperamos ter um bom desempenho também neste continente. Não nos esquecemos de que a Europa é um mercado duro que vive uma situação económica, de modo geral, muito difícil, mas creio que também aqui temos de continuar o nosso trabalho. Mais, que é o nosso dever, para além de ser o nosso sonho, estar cada vez mais presentes em território europeu. Há uma responsabilidade empresarial, mas também uma responsabilidade social, daí que acredite que a Replay tenha muito futuro na Europa.

Têm algum plano para Portugal?

Com certeza. Portugal é muito importante para nós já que, em termos de gosto, representa o nosso cliente alvo. Em Portugal, as pessoas têm uma grande predilecção pelo denim, daí que para nós, enquanto marca de denim que somos, seja um mercado importante. Tudo tem de ser feito um passo de cada vez. Não se pode forçar nada, especialmente agora.

Ainda que seja um país de pequena dimensão quando comparado com os que referiu anteriormente?

A qualidade é mais importante do que a quantidade. Não nos medimos apenas por números. Creio que, à semelhança de outros países europeus que enfrentam dificuldades económicas, Portugal representa um grande desafio para nós. Creio que há um caminho para sair desta recessão. As pessoas precisam de recuperar a sua alma, de se sentirem bem, e uma forma de o conseguir é através da forma como se vestem.

Uma das formas que escolheram para assinalar os 30 anos da marca foi serem novamente patrocinadores dos MTV Europe Music Awards.

É uma questão de visão. No ano passado, em termos de comunicação, fizemos uma afirmação muito forte ao participarmos num evento com a dimensão do Festival de Cinema de Cannes. Vemo-nos como uma empresa criativa e a melhor forma de comunicarmos com o público é através da música e cinema. Nessa perspectiva, a MTV foi uma escolha natural para nós já que é um canal que reflecte os nossos princípios. É uma parceria que esperamos continuar a desenvolver a longo prazo e que se estenda para além dos European Music Awards. Portanto, não se trata de retomar uma parceria que já desenvolvemos no passado, é mais uma questão de ter uma actividade consistente que sustente a nossa credibilidade.

Parece-me que, dentro da indústria da moda, a ganga é um material muito particular por viver tanto da tradição e manter-se relativamente inalterado. Pode usar-se num determinado estilo durante uma estação ou duas, mas volta-se sempre ao original. E quando se gosta de um par de jeans, usa-se durante anos.

Já não vemos o denim como um produto. Denim é denim, o material mais flexível da indústria da moda, no sentido em que é o único que tanto pode ser usado de uma forma glamorosa como para levar para o trabalho ou estar em casa. É praticamente uma linguagem. Na minha perspectiva, pode fazer-se a diferença com o denim não pelas alterações que lhe fazemos, mas pela forma como construímos uma atitude a partir dele. Não é um simples produto. Claro que há novas formas de o tratar e novidades em termos do corte e estrutura do material, mas é o conceito global que faz verdadeiramente a diferença. A nossa maior inspiração para esta colecção foi a década de 1950 e a atitude dessa época. Se adoptarmos um ponto de vista histórico, os anos de 1950 têm muitas semelhanças com o momento actual. Depois da Segunda Guerra Mundial, as pessoas viveram uma grande crise e sentiam-se incapazes de a enfrentar. No entanto, nomes como Marlon Brando, Brigitte Bardot ou John Lewis influenciaram muitas pessoas apenas com a sua atitude e deram-lhes a oportunidade de sonhar um sonho que mudou o mundo. É da atitude deles que gostamos. Talvez não nos lembremos de todos os filmes do Marlon Brando, mas temos presente a imagem dele numa mota com um casaco de cabedal, jeans, uma T-shirt branca e um boné. Essa atitude mudou o mundo.

Essas foram as referências que inspiraram esta colecção?

Não. São basicamente a inspiração para o princípio desta colecção. Significa que para nós o denim é um produto icónico e que gostamos de o conservar assim. Tem uma cultura e uma flexibilidade por detrás. Não nos estamos a referir a esta ou aquela figura, estamos a referir-nos a uma certa atitude que estas pessoas tinham e a recuperá-la para a nossa colecção.

Como descreveria a atitude da Replay?

Descrevemo-la normalmente pelo produto. Por exemplo, estes são os jeans do 30º aniversário. Efectivamente trata-se de denim americano. Tem um toque e uma lavagem diferente. A qualidade está relacionada com os sentidos. Assim que lhe tocamos, a vemos, cheiramos há qualquer coisa de diferente. Foi o nosso ponto de partida para criar esta colecção. Para celebrar os 30 anos da Replay preparámos um pacote made in USA porque precisávamos de prestar tributo às origens do nosso negócio. A cultura do denim nasce nos EUA onde os jeans começaram a ser usados em grande escala. Daí que, ao fazer esta homenagem, tenhamos querido usar denim americano. Criámos uma linha especial de aniversário para homem e para mulher inspirada nos EUA e feita à mão: uma bandana, uma camisa, uns jeans e um cinto que evocam o espírito clássico do denim. É a nossa forma de agradecer ao berço da ganga e à cultura que a criou.