Miguel Flor
O trunfo do Portugal Fashion
Professor e designer, Miguel Flor descreve o seu papel na organização do Espaço Bloom: "Se isto fosse arte clássica, eu seria o curador". No 29.ª Portugal Fashion, ajudou a traçar o rumo do futuro da moda portuguesa com a sua selecção de jovens criadores.
Como é que faz a selecção dos onze jovens criadores que se apresentaram no Espaço Bloom?
Consistência, individualidade, força. Para a 1.ª edição convidei muitos dos criadores que vimos aqui. Já faziam pequenos desfiles caseiros. Têm um grupo praticamente organizado em que juntam dinheiro e fazem um desfile. Como sozinhos não conseguiam atrair pessoas, fui buscá-los. Depois juntei-lhes outros, nomeadamente a Margarida Gentil, que tinha acabado o curso de Design de Moda comigo [como professor] e tinha um projecto muito bom. Nesta edição, a Susana Bettencourt contactou-me porque queria participar, a Andreia Lexim, que foi minha aluna, veio com a vitória no concurso Acrobatic, o Pedro Jorge tinha estagiado com o Pedro Pedro... Trouxe o Iúri da Faculdade de Arquitectura [da Universidade de Lisboa, onde era seu aluno]. Como crio moda para homem e há poucos a fazê-lo em Portugal, quando percebi que ele queria desenhar para homem ajudei-o ao máximo. As escolas aqui representadas são as do Norte e eu acabo por representar as do Sul trazendo pessoas em quem acredito. No fundo, é um trabalho de curador deste espaço. Se isto fosse arte clássica, eu era o curador.
Em três edições o Bloom mudou?
A 1.ª edição foi mais performativa; depois percebi que o público português tem alguma dificuldade com esse tipo de apresentação. Dava imagens lindas, mas que os jovens criadores dificilmente poderiam usar como documentação para se auto-promoverem. Por isso, decidi fazer um misto entre o desfile corrido e o performativo. No fundo, trazer artifícios para que não fossem desfiles convencionais. O Espaço Bloom também mudou por isso - está entre o desfile e a performance. É um estilo híbrido que me agrada mais.
No calendário, o Portugal Fashion segue-se à ModaLisboa e repete muitas das colecções dos consagrados que já foram apresentadas na capital. O Bloom é o trunfo do Portugal Fashion?
Sim, talvez. É o refresco. A ModaLisboa tem uma forma diferente de trabalhar. Acho que o LAB [a plataforma para pequenas marcas da ModaLisboa] é simpático, mas em termos de experimentação é contido. Parece-me já bastante "limpo" e acho que temos que brincar um bocadinho aos desfiles - os primeiros passos são isso. No Espaço Bloom há mais brincadeira. Não há uma passerelle, a sala não fecha, as coisas acontecem quase in loco e isso aproxima o espectáculo, as pessoas, o designer e a roupa do público. Esse é um dos grandes trunfos do Bloom.
O LAB já se assume mais como uma plataforma para micro-marcas do que um espaço para jovens criadores.
Sim, nesse sentido é diferente. Não é melhor nem pior. Respeito imenso a ModaLisboa e o LAB. Aliás, sou um filho da ModaLisboa. Venci o concurso Sangue Novo da ModaLisboa, que está muito próximo disto, e depois dei lá os primeiros passos. É muito curioso que num país sem dinheiro haja este tipo de ajuda aos criadores - a organização paga-lhes a maquilhagem, os manequins -, enquanto lá fora são os próprios criadores que têm de pagar tudo. Ajuda melhor do que esta não pode haver. Durante muito tempo pensava-se que o Portugal Fashion era a ModaLisboa do Norte, e agora é uma opção diferente e cada vez mais válida. É um festival do Norte, uma zona muito rica em indústria; mas os industriais movem-se pouco. Há cada vez menos pessoas a ir aos desfiles e as que vão são curiosos, não são profissionais. Gostava de ver mais industriais nos desfiles. Os designers podem servir a indústria se forem bem dirigidos. A indústria é fechada e está cada vez mais fechada. É difícil. E depois acham: "Não vou abrir a porta a este designer porque ele não vai fazer produção". A indústria não está preparada para trabalhar com eles.
Contudo, a maioria das peças que estes jovens criadores apresentaram são usáveis.
Claro. Para mim, o mais importante quando vejo um desfile é conseguir ver as peças em mim. Os criadores internacionais de que gosto conseguem produzir peças assim.
Mas é normal que jovens designers arrisquem e tenham uma certa teatralidade.
Prefiro peças usáveis. A teatralidade é uma coisa muito de espectáculo e não são os criadores que apostam nisso que depois dão o salto. Esses são um hype. Todos os jovens criadores do Bloom têm amigos que compram, vestem e trocam as peças deles e isso só é possível exactamente porque criam peças usáveis. Acho que o que eles querem é ver as pessoas com a roupa deles. Se a moda já é, de forma geral, um circuito bastante fechado, a portuguesa renova-se pouco. Precisa de um abanão.
Esse abanão pode vir do Bloom?
Sim. Não é um abanão para o público dos criadores conceituados. É um novo público que se está a formar. Não é necessariamente o público com mais poder de compra, mas é o que está atento a estes desfiles. Os "bloomers" ainda não estão muito preocupados com a comercialização e isso custa-me. Estes jovens criadores precisam de ideias de marketing e gestão e só o vão conseguir com formação e com alguém disponível para os encaminhar. Gostava de ser essa pessoa. Não trabalho para eles, mas quase me propunha a fazê-lo. Gostava que o Bloom fosse uma agência que os pudesse representar. Queria que fosse mais, muito mais ainda. É ambicioso, mas eu sou uma pessoa ambiciosa.
A jornalista viajou a convite do Portugal Fashion