Nélson Garrido/Arquivo

Temos um sonho: Inclusão social em qualquer idade

No mês em que se comemora o Dia Mundial da Consciencialização do Autismo (2 de Abril), soltam-se os balões azuis e reflecte-se sobre esta perturbação do neurodesenvolvimento que afecta as competências de interacção social e de comunicação e provoca padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e actividades.

Pensa-se quase sempre nas crianças com autismo. Esquecemos que estas crescem e com elas fica e se desenvolve esta perturbação, por definição, do neurodesenvolvimento. Como vivem os adolescentes e adultos com autismo? Têm dificuldades acrescidas ao enfrentar os desafios próprios da transição para a vida adulta, como obter e manter emprego, conviver com amigos, namorar, explorar o mundo, sair de casa dos pais?

No mercado de trabalho, as máquinas tomam cada vez mais o lugar dos humanos nas tarefas repetitivas e rotineiras, deixando para os seres de carne e osso as tarefas que exigem capacidade de adaptação, criatividade, versatilidade e rapidez de aprendizagem.

Independentemente da formação e da função a desempenhar, os anúncios de emprego procuram pessoas com capacidade para completar tarefas de qualidade no tempo exigido, colaborar com vários grupos de trabalho, adaptar-se com facilidade ao estilo de trabalho de várias pessoas, ser flexível perante mudanças de planos de última hora, tomar decisões concisas e ponderadas, ser proactivo, trabalhar em vários projectos ao mesmo tempo e conhecer as prioridades, entre outras.

Esta poderia ser uma check-list de coisas muito difíceis para uma pessoa com uma Perturbação do Espetro do Autismo, porque estas competências transversais são comprometidas pelos défices nas capacidades de comunicação, interacção social e a rigidez de comportamento inerentes a esta condição. Além disso – e apesar do mito corrente de que as pessoas com Autismo têm capacidades cognitivas excepcionais – a realidade estatística é que têm um nível intelectual na média da população.

Em Portugal não existem estudos sobre a inclusão social das pessoas com Autismo na idade adulta. A realidade que se encontra na prática clínica diária (corroborada pela análise de estudos realizados noutros países) é que, sem as devidas adequações, estas pessoas têm muita dificuldade em obter e manter um emprego no actual mercado de trabalho.

Por consequência e não só, ficam também à margem de muitas outras coisas que fazem parte de ser adulto. Ter trabalho traz não só a independência económica, mas também as relações sociais, a autoestima, os estímulos para crescer intelectual e emocionalmente e a possibilidade de se tornar um adulto autónomo.

É por isto que estes adultos, as suas famílias, os profissionais e os serviços que os apoiam lutam para assegurar um direito que a Organização das Nações Unidas considera fundamental: o direito ao emprego. Mas esta luta está longe de ser vencida e é importante recordar esta realidade, mesmo que não seja Abril.

E felizmente não é uma luta inglória. Também há histórias de sucesso em jovens com Autismo, resultados de uma feliz conjugação de vontades entre jovens, famílias, psicólogo, empregadores e colegas de trabalho.

O sucesso não resulta apenas da vontade, exige um esforço conjunto em três frentes:

  • Preparação dos jovens adultos para responder às necessidades do mercado de trabalho, tanto através do encaminhamento e apoio na prossecução de formação, como através da capacitação em competências transversais;
  • Preparação de empregadores e equipas de trabalho para responder melhor aos desafios da inclusão, através de formação e acompanhamento no posto de trabalho;
  • Acompanhamento do processo de selecção e integração em posto de trabalho, apoiando tanto o trabalhador como o empregador e equipa de acolhimento.

Os resultados deste trabalho estão ainda longe de serem os desejados, enfrentando muitas vezes o desconhecimento e o preconceito em relação ao Autismo. E é para dar asas a estas pessoas que “A Consciencialização” deverá ultrapassar Abril.

Psicóloga Clínica do CADIn