Dicionário dos Alimentos

D de Delícias do mar

“Mãe de onde vêm as delícias do mar?”. Esta será uma pergunta à qual nem todas as mães e pais saberão responder acertadamente, até porque este é um daqueles alimentos que poderíamos legitimamente pensar que “nasce” mesmo no supermercado.

Logicamente que não virão do supermercado, mas certo é que a sua base de produção é profundamente industrial pois existe um longo percurso desde o “peixe” até à “delícia”. As aspas justificam-se não pela ausência de peixe (ou pescado, pois também entram cefalópodes na sua composição), mas sim porque apenas 40% das delícias do mar são de facto “peixe”. Para sermos mais exactos - e retirar as aspas - chamemos-lhe pelo nome, ou seja, surimi. 

O surimi é algo muito recente pelas nossas bandas, no entanto, os japoneses já o produzem artesanalmente há mais de 800 anos - embora apenas no século XIX tenham iniciado a sua comercialização. É fácil de perceber que o surimi consiste no aproveitamento de subprodutos da indústria pesqueira e de espécies com pouco valor comercial, podendo mesmo dizer-se que estão para o peixe assim como as salsichas estão para a carne. A grande diferença a este nível é mesmo a composição nutricional pois, se as salsichas quase reúnem (na generalidade) o que a carne tem de pior ao nível de gorduras e sal, com as delícias do mar ocorre o processo inverso.

Neste contexto, apesar de também não estarem imunes à presença de sal, as delícias do mar possuem níveis muito pequenos de gordura – na ordem dos 2% - mas que ainda assim conseguem dar uma forte ajuda ao cumprimento das recomendações de EPA e DHA, os dois ácidos gordos ómega 3 que mais falta nos fazem.

Colesterol e gordura saturada também são factores que quase não entram nesta equação, o que já não acontece com a vitamina B12, selénio e, surpreendentemente, os hidratos de carbono! Aqui reside outra incógnita das delícias do mar. Porque é que um produto marcadamente de origem animal possui mais hidratos de carbono (e alguns açúcares) na sua composição do que proteínas. A resposta vem dos outros 60% de ingredientes que se juntam ao surimi e dos quais ainda não falámos. Pode parecer estranho que uma delícia do mar tenha na sua “receita” coisas como açúcar, amido, clara de ovo e óleo vegetal, no entanto, estes são ingredientes essenciais para a textura, estrutura e brilho deste gel de surimi que originará o produto final.

Assim, as delícias nunca serão caviar, mas são uma fonte proteica barata e amiga do ambiente numa altura em que tanto se fala da sustentabilidade da nossa alimentação e sobretudo dos alimentos que vêm do mar. Vergonha? Vergonha é mesmo não provar…

 

*Assistente Convidado da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
pedrocarvalho@fcna.up.pt