Rui Gaudêncio

Dicionário dos Alimentos

L de Leite

Ao longo da vida, a nossa alimentação pode seguir vários caminhos consoante a nossa cultura, os nossos gostos, as nossas filosofias e a nossa idade, mas nunca poderá escapar ao seu ponto de partida: o leite!

De facto, é o leite que nos acolhe com exclusividade nos primeiros meses de vida e pode ser considerada uma ingratidão o seu esquecimento anos mais tarde. O recente fenómeno de desvalorização do leite está sempre associado à propagação da falaciosa ideia de que o homem é o único mamífero que continua a beber leite após a fase de amamentação. Se esta assunção não deixa de ser verdadeira, é também verdade que tal acontece não porque os outros mamíferos não gostem de leite, mas sim por este ser um recurso muito caro no contexto da alimentação animal ou por ter de ser preservado para outras crias. De resto, uma das maiores provas da importância do leite na alimentação humana passa pela necessidade da sua mimetização nutricional para aqueles que não querem ou não o podem consumir, tendo como pano de fundo a soja.

Que o leite é rico em cálcio não é novidade para ninguém, mas talvez seja novidade que o cálcio existente no leite e restantes lacticínios é o melhor absorvido de toda a nossa alimentação, sendo muito difícil estabelecer uma dieta “bone friendly” sem a ingestão de três porções diárias de lacticínios, onde o cálcio se associa à proteína e ao potássio, nutrimentos também importantes neste processo. Apesar da sua gordura ser maioritariamente saturada, há que reconhecer que nem toda a gordura saturada é igual, e parte destes ácidos gordos, ao serem de cadeia curta, não possuem o mesmo efeito hipercolesterolémico que é expectável sempre que se fala em gorduras de mamíferos. Em todo o caso, e exceptuando crianças e adolescentes, a opção deverá sempre recair no leite meio-gordo ou magro, se bem que os 1,4gr de gordura que se poupa nesta última opção acarreta igualmente uma perda de vitamina A e pode não justificar o preciosismo tendo em conta as outras fontes de gordura existentes na nossa alimentação.  

A ingestão do copo de leite antes de deitar é já um clássico, mas, ao contrário de outros, este hábito ancestral tem sustentação científica uma vez que o teor do leite em triptofano melhora a qualidade do sono. A proteína do leite tem de facto este cariz relaxante, uma vez que está também implicada em inúmeros mecanismos com efeito anti-hipertensor.

Não se esgotam aqui os benefícios do leite, pois ele consegue ser simultaneamente a melhor opção para bebida desportiva nos momentos pós-competitivos, reduzir o risco de cáries e a sintomatologia típica da síndrome pré-menstrual.

Por estas e por outras razões, beber leite pode ser entendido como um exercício de “humildade alimentar”. Nunca é bom quando viramos as costas a quem nos ajudou a crescer!

 

*Assistente Convidado da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
pedrocarvalho@fcna.up.pt