Dicionário dos Alimentos

O de Ovo

Para perguntas clássicas esperam-se respostas clássicas, e questionando alguém sobre “quantos ovos devo ingerir por semana?”, de certeza que se receberá de volta uma resposta taxativa: “Três a quatro, no máximo”! De facto, esta constitui-se como uma das mais religiosas recomendações alimentares do senso comum e que infelizmente tem perdurado e resistindo aos avanços da investigação científica neste domínio.

Vamos a factos: o ovo tem muito colesterol (215 mg, todo na gema) - se considerarmos as recomendações que apontam para uma ingestão diária inferior a 300mg. Outro facto é que o colesterol ingerido é apenas uma parte da equação que leva ao aumento do colesterol sanguíneo, sendo que outros factores são mais relevantes, como a ingestão de gorduras saturadas e gorduras trans. Assim, fará mais sentido, numa perspectiva de controlo dos níveis de colesterol, limitar o consumo de alimentos altamente ricos em gorduras saturadas (enchidos, manteiga, queijos gordos e carnes “vermelhas”) e em gorduras trans (folhados e outros produtos pastelaria, biscoitos, batatas fritas de pacote e outros snacks) do que estar propriamente preocupado com o ovo.

Na prática, quando temos à nossa frente um prego em prato não é o ovo o maior risco para o colesterol, mas sim as gorduras saturadas do bife, fiambre e queijo e os ácidos gordos trans potencialmente formados na fritura das batatas. Esta discussão tem o seu “quê” de irrelevante, uma vez que em Portugal quase ninguém come um ovo por dia (a média de consumo per capita é de 3,4 ovos/semana) e rara é a refeição que tem o ovo como fonte proteica primordial. Lamentavelmente! Seria mais racional, (até pela época em que vivemos), optar por incluir mais vezes este alimento de grande luxúria nutricional. É perfeitamente adequado, para quem tem níveis normais de colesterol, ingerir até um ovo por dia. Há que reconhecer, todavia, que um consumo superior a 7 ovos por semana pode aumentar o risco de mortalidade em indivíduos com diabetes.

E o coitado do ovo, com tantos benefícios que tem, não se consegue desprender deste rótulo que o persegue há muito tempo, por isso vamos dar uma ajuda! O ovo é, então, o alimento que possui as proteínas de melhor qualidade na alimentação humana, com um balanço de aminoácidos quase perfeito para as nossas necessidades. Apresenta, ainda, uma grande exuberância em micronutrimentos (não fosse ele o início de um novo ser) com destaque para as vitaminas A, D, K, B2, B12 e folato, e também para o selénio, zinco e iodo.

Possui igualmente grandes quantidades de luteína e zeaxantina (diretamente proporcionais à cor da gema), sendo a sua composição nutricional manipulável através da alimentação do animal (já existem ovos no mercado com ómega 3!). Para além de tudo isto , a ingestão de ovos parece ser benéfica no estabelecimento de níveis de saciedade mais precoces.

É então de facto irónico que na nossa tradição gastronómica se use e abuse do ovo quando toca à doçaria com ovos-moles, fios-de-ovos, folares e pão-de-ló, mas esteja um pouco esquecido como principal componente de uma refeição. Pode-se então reformular a clássica recomendação para: “até um ovo por dia (em substituição de carnes “vermelhas”, gordas e enchidos) para controlar o colesterol!”.

Professor Assistente Convidado da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
pedrocarvalho@fcna.up.pt