Nuno Ferreira Santos

Terraço 23

De paladar apurado, nasceu o Terraço 23, sob a alçada de uma das melhores vistas de Lisboa e da calma que nem sempre encontramos na cidade.

À espreita na Colina de Sant’Ana, no coração do hotel Torel Palace, nascia na porta número 23 da Rua Câmara Pestana, em 2015, o restaurante de autor Cave 23. Ao fim de dois anos de vida, a casa amadureceu o suficiente para ganhar um terraço. Deitado sobre Lisboa, o Terraço 23 é um espaço onde o paladar é uma conversa que se estende pela noite dentro.

“What an amazing view! Is that the ocean?”, comenta um turista, sentado numa cadeira de vime branca e de pés no varão que cruza a linha do horizonte. Não. É o rio, o Tejo, onde a cidade e esta vista desaguam. Nos pés descalços do estrangeiro, uma brisa fresca. Ainda que deitado sobre uma cidade sempre em movimento, o Terraço 23 é um pequeno paraíso onde apenas impera a língua da natureza que mora no alto. Pássaros, sopros de vento e folhas que rasuram umas nas outras. Parece difícil de acreditar que, mesmo debaixo dos nossos pés, habita o centro da cidade.

Fernando Pessoa parecia já adivinhar. “Pelo Tejo vai-se para o Mundo”. Porque, aqui, ser-se português virado para o Tejo é mesmo ser-se do mundo, no espaço e no tempo, sentados numa varanda da Riviera Francesa a degustar uma viagem pelo globo. Se principiamos com sabores quentes do oriente, testando o paladar numas pipocas com malaguetas (9 euros), rapidamente podemos regressar à Europa ocidental, atraídos pelos designados sliders (16 euros), a simplicidade de três hambúrgueres caseiros. Debaixo das pêras abacates e das glicínias que sombreiam o local, prova-se “uma carta arrojada, com sabores densos”. São palavras de António Botelho, dono do terraço que ocupa a colina desde Maio de 2017.

Sem regras. É mesmo assim que é feito o convite. Mas, se sugerir não paga imposto, António provoca a imaginação, dando a conhecer as bombas de queijo fundido panado com ketchup caseiro de jalapeños (4 euros), entre muitos “guilty pleasures” de uma ementa que se vai construindo de tempos a tempos. “Picar qualquer coisa, enquanto se namora um cocktail ao balcão e a vista, sobre uma boa conversa”, propõe. Quem sabe, seguir os petiscos de um copo de vinho que se estende até um jantar no restaurante vizinho. A cruzar a meta, o regresso às origens, com uma sobremesa tradicional: um bolo de bolacha em camadas (5 euros). Sem regras, sublinha-se. Por isso, se tudo isto fizer sentido ao contrário, esta é a oportunidade de se aventurar.

Por estas portas, abertas todos os dias, de manhã até ao último segundo do dia, os clientes vestem-se de diferentes motivos para se fazerem presentes. Seja uma saída em família, o momento a sós, a conversa semanal entre amigos de longa data ou um jantar a dois. Tudo é desculpa para visitar “uma das colinas lisboetas com exposição solar até mais tarde”, conta. Contextos que inspiraram os sofás e as cadeiras de vime brancas, com almofadas de um azul que espelha o céu das tardes de Verão.

A ideia é que este seja um espaço “plural”, de todos para todos, mas “não de massas”. A serenidade é o segredo do negócio.

Apesar de aliado a uma estrutura hoteleira, falamos de um lugar livre de formalidades, onde as conversas se prolongam num copo de vinho no pátio ou um cocktail no deck. E quando o céu já não se funde com os sofás, o palco é da música e dos que se atrevem a um passo de dança. No início de Junho, foi dos Santos Populares, longe dos rituais bairristas, mas com o cheiro a sardinha assada, servida em borboleta e sem espinhas, acompanhada de bebidas de requinte. Nas hastes das sombreiras, ainda sobram memórias do Santo António na colina.

A morada sempre foi a mesma, “o espaço existia, mas nunca tinha havido especial atenção para aproveitá-lo”, conta o responsável. “Acaba por ser a extensão deste fenómeno (Cave 23) bastante especial” e António garante que a morada vai ganhar novos inquilinos. “Está a ver aquele palacete ali? Queremos ir para lá também”, revela, apontando para o topo.