Protecção solar: o que precisa de saber
Em 1944 foi inventado o primeiro protector solar. Mais de sete décadas depois, ainda há erros comuns na hora de os usar.
O protector solar foi criado há 73 anos e toda a gente o sabe usar. Certo? Errado, dizem as dermatologistas Ana Filipa Duarte e Joana Cabete, para quem é preciso melhor a literacia sobre o uso deste produto.
Renovar a aplicação de protector solar várias vezes por dia, usá-lo diariamente (e não apenas nas idas à praia) e escolher um produto com protecção elevada são alguns dos conselhos dados pelas duas especialistas.
É que, como salientava em Maio o dermatologista e secretário-geral da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo (APCC), Osvaldo Correia, estima-se o aparecimento este ano de mais 12 mil novos casos de cancro de pele em Portugal, mil dos quais de melanoma — considerado o tipo de cancro mais grave do mundo.
O mesmo especialista deixou também um alerta sobre os bronzeadores, considerando-os uma "falsa protecção". "No mercado surgem loções ditas bronzeadoras, aceleradoras de bronzeamento, que dizem ter uma protecção" solar de seis, 15 ou 30, "o que pode iludir as pessoas", disse à agência Lusa, alertando para as "queimaduras surpresa que as pessoas estão a ter".
Uma ilusão que lembra tempos passados. Na Grécia Antiga, o óleo de azeitona, pouco recomendado para o efeito, era o protector mais eficaz que se poderia ambicionar. Ao longo dos anos, vários químicos e diversos especialistas foram testando a eficácia de outros ingredientes, para apenas em 1944 ser criado o primeiro protótipo de protector solar realmente eficiente e próximo do que temos hoje. O químico Benjamin Greene deu início ao que seria a actual oferta no mercado.
Actualmente, farmácias e supermercados oferecem gamas de produtos para todos os tipos de pele e idades.
Químicos ou físicos? A diferença importa
Cada protector é um conjunto de filtros e moléculas que, quando aplicados sobre a pele, a protegem da radiação solar, prevenindo queimaduras e, a longo prazo, cancro da pele. A sua forma de actuação depende, contudo, do tipo de protector solar que está a ser aplicado.
Ana Filipa Duarte, dermatologista na APCC, distingue dois deles: os químicos e os minerais. Os primeiros, que também podem designar-se “orgânicos”, “têm um início de acção retardado em cerca de 20 a 30 minutos a partir da sua aplicação”, explica. Já os físicos, também conhecidos como “minerais”, actuam “de forma imediata por reflexão da radiação ultravioleta (UV) na pele”.
Além destes dois géneros, o mercado actual oferece ainda os protectores organominerais, que resultam de uma combinação entre os dois tipos primários de filtros solares.
Considerando os riscos, há, por isso, uma preocupação acrescida quando escolhemos um protector para uma pele recém-nascida. Para bebés, recomenda-se apenas o uso de filtros físicos, uma vez que se trata de produtos menos irritativos para a pele sensível. Ao mesmo tempo, não são absorvidos para a corrente sanguínea, o que facilmente poderia acontecer numa pele fina como a de uma criança tão jovem com o uso de um protector químico.
Também todos os cuidados são poucos quando falamos de uma pele mais adulta, mas sensível. Quem detém problemas como rosácea ou lúpus “precisa de um protector com galénica adequada”, acrescenta a dermatologista.
Em creme, loção, spray ou stick, todos protegem a pele dos raios UV, mas as suas texturas vão responder a diferentes necessidades.
Afinal, o que significa realmente FPS?
É talvez o único dado de um rótulo que todos conhecem, mas poucos realmente o compreendem, avisam as dermatologistas.
FPS é a sigla para “Factor de Protecção Solar” e é uma medida laboratorial que indica o tempo que a radiação UVB demora para começar a causar vermelhidão na pele, sobre o protector.
Quanto mais alto, maior a protecção contra os raios UVB. Se escolhermos um filtro de factor 30, significa, por isso, que a pele “demorará 30 vezes mais tempo a ficar vermelha do que quando não é utilizado”, esclarece a especialista Joana Cabete.
De 30 para cima é, aliás, a recomendação das dermatologistas, pois “a quantidade aplicada para testes em laboratório é muito superior à que aplicamos na vida real”, conclui Ana Filipa Duarte.
Mas o factor utilizado não é tudo. Ainda de acordo com as especialistas, a má aplicação — muitas vezes rondando uma percentagem de apenas 25% a 50% da quantidade recomendada — faz com que, por exemplo, quem usa um protector com FPS 30 esteja, na verdade, com uma protecção de 15.
O perigo não marca hora nem lugar
De acordo com a Academia Americana de Dermatologia, “um em cada cinco americanos pode vir a desenvolver cancro da pele”, o mais comum nos EUA.
Principalmente na neve e na praia, sendo a água e a areia reflectores dos raios solares, todo o cuidado é pouco. Não é por não sentir e ver a pele queimada que ela não está realmente a ser queimada. A isto, Ana Filipa Duarte chama “falsa sensação de segurança”. Tal pode conduzir as pessoas a prolongar a sua exposição ao sol, sob o risco de provocar "outros danos na pele”. “É sempre bom lembrar que o sol da praia, piscina e campo é igual”, comenta a dermatologista.
“Já há muita gente a aplicar protector solar diariamente, mas ainda poucas pessoas estão alertas para a sua renovação”, lembra a dermatologista.
Protector solar não é apenas sinónimo de férias e idas à praia. As patologias e outros efeitos associados ao excesso de exposição solar não marcam hora nem lugar, por isso, o protector deve ser um elemento de aplicação diária.
A inclusão destes produtos em cremes de dia tem facilitado a adesão a esta prática. Contudo, também é preciso estar atento à renovação do protector. Uma vez por dia pode não ser suficiente. A especialista da APCC explica que “se aplicarmos protector de manhã, à hora de almoço já não temos nenhuma protecção”.
Caso a aplicação se torne um ritual ao longo do ano, “a rotina pode evitar o esquecimento” e promover um maior cuidado nas horas de maior exposição, acrescenta Joana Cabete. “Previne-se e combate-se, assim, o aparecimento de cancro cutâneo e de rugas e manchas que são cada vez mais uma preocupação na nossa população”.
A dose e o tempo ideal
O FPS é um dos elementos que devemos ter mais em atenção na hora de escolher o protector, mas não é tudo. O tempo que os raios UV demoram a penetrar a pele deriva, entre outros factores, da intensidade da sua radiação e da correcta aplicação do produto.
O trabalho deve começar antes de sair de casa. Segundo Ana Filipa, a grande parte dos protectores utilizados são químicos, por isso, “requerem uma aplicação a cerca de 20 a 30 minutos antes da exposição para começarem a actuar”. A sua renovação deve ser feita “a cada duas horas”, bem como após cada banho e transpiração.
Joana Cabete lembra que todas as áreas merecem protecção. “Não devem ser esquecidos o couro cabeludo nos calvos, as regiões atrás das orelhas, os lábios, os tornozelos ou o dorso dos pés”.
“Áreas anatómicas mais extensas carecem de maior quantidade para adequada cobertura”, explica a dermatologista. Por serem áreas mais sensíveis à radiação solar, o decote, o nariz, as maçãs do rosto, as orelhas e os ombros exigem, por isso, uma maior protecção.
Sobre a quantidade adequada a aplicar, a especialista explica que “num adulto, será a equivalente a uma colher de chá (cerca de 5 ml) para a cabeça e pescoço, outra colher por cada membro superior, duas colheres por cada membro inferior e ainda duas colheres de chá no tronco”.
Além disso, a não ser que o produto diga que se pode aplicar pelo corpo todo, jamais use um protector de corpo no rosto e vice-versa. Designam-se protectores de rosto precisamente por conterem ingredientes testados para os vários tipos de rosto.
Posso recorrer ao que restou do protector do ano passado?
Talvez não deva. A dermatologista da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo esclarece que, “depois de abertos, os protectores mantêm a eficácia durante cerca de seis meses”. Ressalva, contudo, que “se for um protector que fique em casa, sempre em ambiente estável, poderá ser utilizado mais tempo”.
Já a dermatologista Joana Cabete considera que o uso do mesmo protector solar é seguro até “12 meses após a abertura”, quando já utilizados, ou “até 36 meses, quando fechados”. “Findo este tempo, a fórmula química pode começar a degradar-se, alterando a estabilidade do produto e a sua eficácia”, acrescenta.
Por serem embalagens constantemente expostas à radiação solar e ao calor, “o ideal é adquirir anualmente um novo produto”.
Desta forma, à semelhança do que acontece com outros cosméticos, se a validade impressa na embalagem estiver ultrapassada, evite o uso de protector solar.
Até lá e sempre que possível, é recomendável conservar as embalagens em ambientes frescos e sem humidade. A mudança da cor, textura e cheiro indicam que o produto está fora de validade.
Além protector, tudo o resto
Em entrevista ao PÚBLICO, em Maio de 2017, a dermatologista e escritora Yael Adler aconselhava que, à excepção do protector solar, mais valia deixar a pele livre de produtos. Contudo, sublinhava que a necessidade do seu uso depende apenas de um desvio de comportamento da sociedade.
“Desenvolvemos mais cancro da pele hoje do que antes, porque o nosso comportamento mudou. Antigamente, estávamos no exterior o dia inteiro, evitávamos o sol mais forte e conseguíamos construir as nossas próprias barreiras”. Pelo contrário, “hoje quando vamos à praia não temos preparação, por isso, precisamos do creme”, explicou.
Ana Filipa Duarte vai ao encontro desta teoria e sublinha que “as medidas de protecção mais importantes são as comportamentais”. Entre elas, evitar a exposição nas horas mais críticas, entre as 11h e as 17h, usar roupa com tecidos não demasiado porosos e que cubram o máximo de pele, óculos e chapéu de aba larga. Quando o assunto são crianças, é preciso lembrar ainda que estas não devem ser directamente expostas à radiação solar até aos três anos.
Encontrar o protector ideal é, para ambas as dermatologistas, um enigma de resposta fácil. É preciso larga protecção UVB e UVA, um FPS no mínimo de 30, foto-estável e resistente à água.