As jóias de Leonor Silva são cotonetes ou arame farpado em nome de valores sociais
Transportar o quotidiano para peças de joalharia e acrescentar uma mensagem social à beleza de uma jóia é o factor que marca a diferença nesta colecção.
Um brinco em forma de cotonete? Um colar com um parafuso? Uma pregadeira que reproduz arame farpado? O que têm estes objectos de semelhante? Além de serem peças de joalharia, estas pretendem funcionar como um espelho do quotidiano, do nosso dia-a-dia. Ou seja, a autora Leonor Silva propõe atribuir uma história a cada uma das peças que cria, de maneira a que quem a usa e quem a vê atribua significado.
O resultado é tão improvável quanto o percurso da sua criadora. Com formação em História e Arqueologia, foi entre as escavações que Leonor Silva encontrou inspiração para desenhar a sua própria marca de joalharia.
Em conversa com o PÚBLICO partilha a sua inspiração. O conceito é simples: incluir em peças de adorno um tom de sarcasmo e ironia ao papel da mulher no quotidiano e às questões que afectam a actualidade e que por isso se tornam intemporais. No fundo, conta, trata-se de “encarar a joalharia como uma arte como outra qualquer, capaz de transmitir uma mensagem social através da beleza que transporta”.
O estudo de arqueologia fez com que quisesse construir peças com “história” e “emoções”, tais como as que ao longo dos anos foi encontrando e estudando. A isso, juntou-lhe a forma como interpreta o mundo. “Preciso mesmo de por algum sarcasmo, alguma ironia, porque senão a peça é vazia, é oca”, confessa a autora. “Não basta ser uma peça bonita, tem de ser crítica e de se distinguir”, continua. Por isso, cada peça é pensada para transmitir uma mensagem diferente. “Perceber a colecção é quase desmontar a linha cognitiva que me suporta”, declara.
A interpretação, explica, varia de pessoa para pessoa e não tem de ser a mesma. “Cada um poderá estabelecer ligações e contextos diferentes, mas a peça deve fazer sentido para quem a usa, deve transportar uma carga sentimental.” Se assim não for, por mais valiosa que seja, “é despojada de conteúdo”.
Quando chegou ao Centro de Joalharia de Lisboa, onde investiu na sua formação, já ia “com um conceito muito fixo sobre o que queria trabalhar” e com “ideia das técnicas que queria aprender”. Por isso, o processo foi relativamente rápido. “Seis meses depois de me inscrever no curso de joalharia comecei a equipar o atelier e a trabalhar nas colecções que tinha em mente”.
Na sua estreia, Leonor Silva destaca uma peça de prata, a que chamou Nature Mother Heart, que remete para as alterações climáticas; e Hope, a pregadeira que reproduz as barreiras de arame farpado, lembrando a luta dos refugiados que fogem dos seus países de origem e ficam presos em campos.
A Survival Kit Collection é talvez a colecção mais irónica, onde se encontram os objectos do quotidiano, como palitos, fósforos, cotonetes ou parafusos. Objectos triviais que a autora recriou em anéis, brincos ou colares de ouro e prata.
A trabalhar na próxima colecção – para a qual não existe ainda uma data de lançamento – promete o mesmo conceito, mas com mais cor. Uma linha “totalmente diferente”, promete.