ESAM OMRAN AL-FETORI

O gato das botas

Se vai comprar um par de botas ou sapatos Timberland, o melhor é investigar primeiro e calçar depois

É cada vez mais difícil fazer compras responsáveis e valiosas.

É cada vez mais difícil fazer compras responsáveis e valiosas. Vou dar um exemplo que conheço desde os anos 1980: os sapatos Timberland. Dantes eram poucos os modelos e eram todos feitos à mão no Tennessee, nos Estados Unidos da América. Era lá que eram mais baratos. Duravam décadas. Não tinha nada que saber.

Agora há centenas de modelos de sapatos da Timberland. São fabricados em vários países. Há também muitas falsificações, vendidos online e em lojas de aparência respeitável. As mais enganosas falsificações são tão caras como as originais. A qualidade, o mais das vezes, só se descobre passados os primeiros meses, quando já é tarde de mais para fazer alguma coisa.

Mesmo usando as lojas oficiais da Timberland em Portugal, é muito fácil comprarmos sapatos inferiores. A verdade é que há sapatos para todas as bolsas. Quanto mais baratos, mais caro se compra o nome. Ora, se há maior tolice da parte de um consumidor do que comprar um mau produto com um bom nome, não conheço.

O que se passa com a Timberland passa-se com outras grandes marcas. A primeira coisa a fazer é alguma investigação. Quem são os proprietários? Como se comportam em questões laborais e ambientais? É preciso cuidado com a imprensa financeira, muito susceptível à propaganda empresarial. As associações de consumidores e de ecologistas são muito mais fidedignas.

Para exemplificar: até 2011 a Timberland era uma empresa da família Swartz, presidida por Jeffrey Swartz, neto de Nathan Swartz, que fundou a Timberland em 1918. Para o ano faz 100 anos mas a Timberland não é a mesma companhia. Desde 2011 pertence a uma empresa gigantesca chamada VF que é também dona de marcas como a North Face, Nautica, Wrangler, Lee e Vans, para não falar noutras menos conhecidas.

Quando era da família Swartz, a Timberland era uma empresa social e ecologicamente responsável cujos produtos se afirmavam pela qualidade duradoura. Mesmo assim, é justo dizer que a proliferação de linhas e de modelos começou antes de a VF comprar a companhia.

Para jogar pelo seguro, deve-se começar por examinar as botas e os sapatos que mais bem representam a história e a qualidade da Timberland. As botas são as Yellow Boots de 6 polegadas, à prova de água. Nas lojas oficiais de Portugal custam à volta de 240 euros.

Parece caro mas não é. É provavelmente o modelo da Timberland em que a margem de lucro é mais pequena. São botas exímias, extremamente bem fabricadas com excelentes materiais. São muito confortáveis, são inteiramente à prova de água e durarão uns bons anos.

Claro que não são — apesar da publicidade — botas de trabalho. É bom saber que a Timberland tem uma marca Work só para vender calçado industrial. São mais resistentes, mais baratos — e muito mais feios.

É à pala da qualidade das botas amarelas que a Timberland vende os outros modelos mais baratos. As botas amarelas estão sob constante escrutínio dos consumidores. Qualquer passo em falso teria consequências desastrosas.

São fabricadas na China, como já eram no tempo da família Swartz. Já se venderam em Portugal as mesmas botas feitas nos EUA, mas a qualidade parece ser a mesma. A Maria João comprou um par há três meses e têm-se portado lindamente.

Por forretice, tenho comprado Timberlands que não são os melhores. Estou muito arrependido. São muito maus. Por outro lado, deixei de confiar na Timberland. É esta a lição número 1 do consumidor nos tempos que correm: deixar de confiar nas marcas. As marcas tornaram-se, salvo cada vez mais raras (e caras) excepções, desculpas para ganhar dinheiro sem escrúpulos.

Acabei por comprar um par dos lugs clássicos com três olhos para os atacadores. Custou 189 euros. Foram fabricados no Haiti. A outra fábrica legítima da Timberland fica muito perto, na República Dominicana. Note-se que a República Dominicana sempre tratou muito mal os imigrantes haitianos…

Estou satisfeito com estes Timberlands, embora sejam mais toscos e mais mal acabados do que os Timberlands feitos à mão nos EUA quando só tinham a fábrica no Tennessee.

Não se pode viajar no tempo. Mas pode-se ser cada vez mais desconfiado (é tempo bem gasto) e aprender a exigir um retorno aceitável pelo dinheiro que gastamos. Cuidado, sobretudo,com as falsificações que começam dentro das próprias marcas…