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Vestuário

Fardas e trajes académicos: esbatem ou não diferenças sociais?

Os uniformes escolares, nos jardins de infância, escolas básicas e secundárias e, mais tarde, nas faculdades, identificam os estudantes com determinado projecto. Mas são necessários?

Pedro Zambujo usou um uniforme escolar desde os 3 até aos 7 anos, no Jardim-Escola João de Deus, na Figueira da Foz. Quando chegou à faculdade, em 2010, preferiu não usar o traje académico. “O traje, quer se queira quer não, está associado a vários aspectos com os quais não me identifico. Não me revejo na ideia do traje como uniforme, para sermos todos iguais. É uma falsa uniformização e é uma altura em que não só não é necessária como é perigosa”, diz em conversa telefónica com o Life&Style.

O presidente da Federação Académica do Porto (FAP), Daniel Freitas, reconhece que historicamente os trajes académicos serviram o propósito de “esbater as diferenças sociais” entre aqueles que chegam ao ensino superior, mas acredita que essa, neste momento, já não é a razão pela qual os estudantes usam os trajes académicos. “Hoje em dia, é mais uma ideia de orgulho e de pertença a uma academia”, acredita. Tanto mais que os trajes completos são peças relativamente caras, custando, em média, entre 180 e 200 euros, no caso do Porto.

A ideia de “igualdade” é multiplicada nos Códigos da Praxe Académica de várias universidades. Pedro Zambujo, 23 anos, licenciado em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa, não concorda.“É um período importante para te diferenciares. Somos muito estimulados, a vários níveis, e é uma altura para desabrochar e definir criativamente”, afirma.

Bastará cruzar a baixa da cidade do Porto num qualquer dia da semana para perceber que a capa e batina são utilizadas frequentemente pelos estudantes da universidade ou do politécnico. São “muitos” a fazê-lo, diz o presidente da FAP, não só nas actividades da praxe, a que o traje está particularmente associado, ou nas tunas e grupos culturais das instituições, mas também “quotidianamente”, como “símbolo de integração no meio académico”. Daniel Freitas dá mesmo o seu exemplo pessoal, revelando que utiliza o traje formal da academia do Porto nas várias cerimónias oficiais em que participa enquanto dirigente académico, precisamente para sublinhar esse lado de “identificação” enquanto estudante do ensino superior.

As capas negras, além de elemento uniformizador entre os estudantes, estão também associadas às praxes e “não se pode vesti-lo sem fugir a essa tradição académica”, aponta Pedro Zambujo – no seu curso, o código definia que só poderiam trajar aqueles que participassem nas praxes e baptismo académico.

Uniforme completo para diferenciar

No ensino pré-escolar e básico, a uniformização funciona de maneira diferente. No Colégio do Sagrado Coração de Maria, em Lisboa, as fardas como elemento de vestuário obrigatório foram instauradas em 1941. “Depois foram evoluindo para uma bata e só no 1.º ciclo do ensino básico e jardim de infância até que, na altura do 25 de Abril, deixaram de existir. Voltámos a ter fardas no ano lectivo de 2011-2012”, para os alunos dos 3 anos até ao 8.º ano, conta Margarida Marrucho, directora do colégio.

As fardas são “uma forma de identificação com um projecto”, de “fomentar o sentido de pertença a uma comunidade” e de esbater as diferenças sociais “dentro da própria comunidade educativa”, embora existam sempre maneiras de continuar a marcar essas diferenças, seja “pelos sapatos, pelos casacos de rua, etc, que não estão incluídos na Linha Sagrado”, reconhece a directora.

“Olhando para trás, não era a bata que esbatia as classes sociais. Quando se está a brincar, por exemplo, as vivências de cada um acabam por se evidenciar”, recorda Pedro Zambujo. “No caso do uniforme completo, com calções, coletes e casacos, até cria mais diferenças do que esbate, fora da escola. Dentro da escola somos todos iguais mas fora das escolas, ao sair assim vestido, marcam-se essas diferenças.”

João Jaime, director da Escola Secundária de Camões, em Lisboa, comenta, por e-mail, que a farda não esbate nem acentua diferenças: “Provavelmente pode favorecer a identidade de uma instituição ou pode ser apenas uma forma de cosmeticamente ‘esconder’ ainda mais as fragilidades de um sistema que já por si favorece as desigualdades educativas, económicas e sociais.”

Recorde-se que ao contrário do que acontece em países como o Reino Unido, em Portugal não existem fardas nas escolas públicas – embora nos jardins-de-infância da rede pública se possa usar bibe, nos ciclos seguintes os alunos não usam, salvo, em algumas escolas, nas aulas de Educação Física onde se utiliza, por exemplo, uma t-shirt com o logótipo ou o nome da escola.

A Linha Sagrado do Colégio do Sagrado Coração de Maria não foi implementada para distinguir o colégio privado das escolas públicas suas vizinhas e há muitos pais que “gostam desta opção por ser prática e mais económica”, refere a directora do colégio, mencionando que mensalmente existe uma “troca de fardas” organizada pelos pais, onde é possível deixar as roupas que já não servem aos filhos e trocar por tamanhos maiores.

A resistência às fardas só começa a partir do 3.º ciclo, revela Margarida Marrucho, altura em que os estudantes já preferem usar a sua própria roupa. Ainda assim, a partir do próximo ano lectivo, a farda abrangerá também o 9.º ano.

No antigo Liceu Camões não existe qualquer código de vestuário e “nunca ninguém – nem professores, nem pais, nem alunos – pôs essa hipótese”. “O mais importante é discutir o que deverá ser a educação do século XXI, como poderemos atingir os níveis europeus de sucesso escolar, de acesso ao ensino superior, de abandono escolar, de educação de adultos…”, enumera João Jaime.

Com Samuel Silva