Divórcio
Divórcio dos pais tem impacto nos filhos em qualquer idade
Efeito do divórcio dos pais nos filhos já adultos não é tão estudado como o impacto nas crianças. Mas pode ser “tão doloroso como o de uma criança em tenra idade”.
Os portugueses estão a divorciar-se menos mas cada vez mais tarde – em 2013, a idade média do divórcio ultrapassou os 43 anos para ambos os sexos. Consequentemente, o número de pessoas que já são adultas quando os pais se divorciam também está a aumentar. Em Portugal, são raras ou inexistentes as terapias ou grupos de apoio psicológico específicos para estes adultos, e a maioria dos estudos recai nos efeitos da separação dos pais nas crianças ou pré-adolescentes.
A norte-americana Krista Mischo, de 43 anos, criou em 2012 um grupo de apoio para adultos cujos pais se divorciaram e o blogue Time for Serenity, quando os seus pais se separaram depois de 45 anos de casamento. Escreveu durante dois anos sobre o que sentiu, o apoio que teve e o que fez para lidar com a situação. Teve mais de 20 mil leitores de todo o mundo.
Krista sentia necessidade de estabelecer relações com outros adultos que estivessem a passar pela mesma situação e que compreendessem o sentimento de “devastação”, explicou ao jornal New York Times. Raquel (nome fictício), de 35 anos, sentiu o mesmo, embora não tenha procurado apoio psicológico na altura – só o fez alguns anos depois, antes de mudar de país por razões profissionais, “não especificamente por causa do divórcio” mas porque queria sentir-se a 100% para estar sozinha noutro país. Catorze anos depois da separação dos pais vê até “algumas vantagens” neste divórcio tardio: “Tive sempre o meu pai em casa até essa altura. Acompanhou a minha infância, adolescência e fez com que eu criasse um sentido de família como uma unidade só”, diz numa conversa telefónica com o PÚBLICO.
Por outro lado, por já ser adulta, esta separação fez com que questionasse o casamento. “Já não sabia se valia a pena. Fez, e se calhar ainda faz, com que tivesse uma postura mais desconfiada perante a instituição casamento”, afirma, reconhecendo que agora é “mais exigente” e tem “uma visão menos cor-de-rosa”.
“Independentemente de serem crianças, adolescentes ou adultos, o divórcio dos pais pode desencadear uma espécie de ‘avalanche emocional’ nos filhos”, atesta ao PÚBLICO Margarida Vieitez, mediadora familiar e terapeuta de casal. Não se pode generalizar, frisa, mas os sentimentos mais comuns, sejam adultos ou crianças pequenas, são os de “profunda tristeza, angústia, ansiedade, stress”. Os filhos já adultos têm, no entanto, mais recursos emocionais para lidar com a situação – o que não significa menos dor e sofrimento; podem até “empreender várias tentativas no sentido de que o divórcio não se concretize”.
As razões para um divórcio tardio são “as mais variadas e quando conjugadas com o sentimento ‘mereço ser feliz’ fundamentam uma decisão de divórcio”, refere Margarida Vieitez. “Segundo a minha experiência, a maioria dos casais que se divorcia com 50, 60 ou mais anos já vivia uma relação em ruptura há muito tempo, com total ausência de afecto, de confiança, respeito ou partilha”, diz a especialista, enumerando o desemprego, a reforma ou a saída de casa dos filhos como factores que podem “forçar o casal” a tomar uma decisão que já sabiam inevitável.
Margarida Vieitez – que acaba de lançar Pessoas que nos fazem felizes (editado pela Esfera dos Livros), um manual para o leitor perceber quem gosta realmente de si e como se libertar de relações tóxicas – explica que, em casos extremos, perante uma situação de divórcio, os filhos adultos já com relações amorosas podem equacionar o sentido da sua própria relação. “Os filhos absorvem, durante o seu crescimento e desenvolvimento, o modelo de relação dos pais. Essa grande ‘herança’, transmitida dia-a-dia, hora a hora, é a grande referência em termos das suas relações. Tudo o que aconteceu até ao divórcio afecta de modo directo as relações que escolheram ter, quer pela positiva, quer pela negativa”, explica.
Raquel foi apanhada de surpresa quando os pais se divorciaram. A mãe tinha 51 anos, o pai 53. Foi a mãe que conversou consigo primeiro e lhe contou que o pai estava a ter um caso extraconjugal. “Fui apanhada de surpresa. Eu tinha uma relação muito forte com o meu pai e portanto aquilo para mim foi um choque enorme. Tinha o meu pai como uma pessoa absolutamente justa e com valores absolutamente coerentes e aquilo não tinha coerência para mim”, relembra.
O irmão mais velho, na altura com 27, também foi surpreendido mas a reacção foi diferente – Raquel ainda estava na faculdade e, portanto, financeiramente dependente dos pais, que visitava de 15 em 15 dias; o irmão estava casado e a viver longe. “Foi uma fase complicada. E chegar a casa e ver que faltava ali uma peça essencial… foi doloroso”, continua, explicando que o divórcio dos pais a fez amadurecer e que a sua principal preocupação foi a mãe.
Raquel vive actualmente fora de Portugal. A relação com o pai mudou completamente: apenas estão juntos esporadicamente. “Numa primeira fase o meu pai tentou que eu e o meu irmão aceitássemos a pessoa com quem ele estava e para nós isso era impossível de acontecer. E por isso houve um afastamento que continua a existir.”
Cada pessoa vive a situação de divórcio dos pais de forma “única e singular” e as relações entre pais e filhos podem ficar “comprometidas”, diz Margarida Vieitez. “Os pais dizem ‘eles já são adultos, vão ficar bem’, mas podem não estar bem”, alerta Carol Hughes, especialista em divórcios na Califórnia, Estados Unidos, no New York Times.
Hughes aconselha os pais a darem a notícia do divórcio aos filhos pessoalmente e que não os tratem, por serem adultos, como confidentes. “Ser arrastado para chamadas telefónicas chorosas a meio da noite ou conversas contenciosas sobre quem teve a culpa só faz com que uma situação difícil se torne insuportável”, afirma. É, por isso, importante que os pais, independentemente da situação que enfrentam, não se esqueçam que são pais, reforça a especialista, e que os filhos procurem apoio especializado.