O gato das botas
Afinal sempre há um livro que consegue mesmo mudar a nossa vida para melhor: é o da exímia Marie Kondo
A web está cheia de exemplificações e de vídeos mas dão uma ideia não só errada como perigosamente errada do método de arrumação da Marie Kondo.
A primeira coisa a dizer é que é mesmo preciso ler o livro de Marie Kondo. Ela escreveu dois. Refiro-me ao primeiro que tem o título inglês The Life-Changing Magic of Tidying. É de 2011 e a tradução para inglês é de Cathy Hirano. A edição portuguesa, Arrume a Sua Casa, Arrume a Sua Vida, foi publicada em 2015 pela Pergaminho.
É preciso ler o livro porque o livro é impossível de resumir. A web está cheia de exemplificações e de vídeos mas dão uma ideia não só errada como perigosamente errada do método de arrumação da Marie Kondo.
Levei muito tempo até ler o livro porque não leio livros que prometem melhorar a minha vida. Depois de lê-lo a minha vida, de facto, melhorou. Porque Marie Kondo ensina-nos a arrumar não só através do sistema (que se aprende imediatamente) mas, sobretudo, através de cada um de nós.
Tive de ser eu a escolher as coisas que me davam prazer, uma a uma. Arrumar é apenas decidir quais são as coisas com as quais se quer viver.
Não vou aqui tentar resumir o livro porque o livro não tem palha. Lê-se num instante. Mas não tem nenhum segredo. Tem apenas um método que deve ser seguido conforme uma ordem rigorosa: primeiro a roupa, depois os livros e por aí afora, até chegar às coisas de valor sentimental.
O livro não depende do jeito que se tenha para arrumar ou do facto de se ser ou não uma pessoa arrumada ou uma pessoa que gosta ou não de arrumação.
Pelo contrário, as pessoas arrumadas terão mais trabalho porque têm mais jeito para concentrar grandes quantidades de coisas em espaços pequenos.
Claro que cada um de nós pensa que consegue remover as coisas que estão a mais ou que já não queremos. Mas isso não é arrumar. Arrumar a sério é ficar com uma casa onde só há coisas de que se gosta muito.
Para conseguir isso cada pessoa tem de manusear cada uma das coisas que tem em casa para decidir se quer continuar a viver com ela.
Dá muito trabalho. É preciso um grande sacrifício de tempo e trabalheira. Mas o resultado é espectacular porque as coisas de que realmente gostamos estavam escondidas por outras coisas.
É muito bom abrir uma gaveta e só encontrar camisas que gostamos de vestir. São muito menos do que se pensava e vêem-se agora muito bem. O livro explica por que é que é melhor dobrar as camisas numa gaveta do que pendurá-las.
A sensação que se tem é de estar a viver numa casa muito mais espaçosa, limpa e nova. Está cheia de coisas bonitas, todas à mão e à vista.
A partir das primeiras horas de avaliação (dá-me prazer continuar a viver com esta coisa?) passa-se a ser muito mais rápido. Dá-se um clique dentro de nós e começamos a querer remover os obstáculos que nos impedem de chegarmos às coisas que queremos.
É preciso seguir o método dela à letra. É outra razão para ler o livro e tê-lo à mão. Por exemplo, não se pode arrumar uma sala de cada vez.
Primeiro é preciso decidir a roupa que vai ficar, seja em que sala ficar. Depois, os livros.
De livros percebo eu. De cinco em cinco anos tenho de purgar a minha biblioteca para arrumar os livros que entretanto fui comprando e que estão em pilhas por toda a parte. Mas o meu método — de olhar para as prateleiras e de identificar livros sem os quais sou capaz de viver — é errado.
A Marie Kondo diz que é preciso tirar todos os livros das prateleiras e pô-los em pilhas. Depois é preciso manusear cada um para descobrir se ainda nos dá uma faísca de prazer.
Fiquei espantado pelas minhas escolhas. Havia livros que me tinham dado grande prazer mas que já não me davam prazer nenhum. Eu guardava-os porque me tinham dado prazer. Mas já não davam. Por isso era um erro continuar com eles quando poderão dar prazer a outras pessoas.
A nossa relutância em despedirmo-nos das coisas vem da relutância em nos despedirmo-nos do passado e do medo do futuro que nos leva a pensar que um dia talvez precisemos de coisas de que agora não precisamos. Desta forma nunca chegamos a viver no presente, com as coisas que nos dão prazer agora.
Mais espantado ainda fiquei com a quantidade relativamente pequena de livros e CD com que fiquei. Em vez de saudades só sinto alegria. São todos livros e discos, seguidinhos, que gosto mesmo de ter, para ler e ouvir quando me apetecer. Que é já.