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Série Terapia

A coragem de nos olharmos de frente

A série Terapia passa nas noites da RTP1 e pode ser uma boa oportunidade de as famílias reflectirem sobre si próprias.

Frustração, dúvida, culpa, medo. Esperança, paixão, serenidade, aceitação. Está lá tudo e estamos lá todos. Inteiros, estilhaçados ou reconstruídos. Bem-vindos ao consultório do psicoterapeuta Mário Magalhães. De segunda a quinta, ouve os pacientes. À sexta, precisa que o escutem.

A série Terapia passa nas noites da RTP1 e pode ser uma boa oportunidade de as famílias reflectirem sobre si próprias. Com coragem. Uma boa oportunidade também para assistirem a notáveis momentos de interpretação. Ali, os actores podem sê-lo. É-lhes dado tempo para falar, silenciar, rir, chorar. Numa palavra, actuar. Muito raro em televisão.

Com diálogos bem escritos e verosímeis, as personagens tornam-se consistentes e envolventes. Apetece conhecê-las, descobrir-lhes as fragilidades e contradições, mas também as virtudes e aspirações.

Há uma adolescente ginasta que se envolveu com o treinador e tudo indica que se quer suicidar (Sofia Cruz, interpretada por Catarina Rebelo), há um atirador de elite do Grupo de Operações Especiais que matou acidentalmente uma criança (Alexandre Gomes/Nuno Lopes) e nega sentimentos de culpa, há um casal que depois de muitos tratamentos de fertilidade consegue ficar à espera de mais um filho, mas a gravidez não chega ao fim (Jorge e Ana Velez/Filipe Duarte e Maria João Pinho) e passam o tempo a acusar-se um ao outro, há uma médica atraente que está apaixonada pelo terapeuta (Laura Dias/Soraia Chaves) e já o disse, mas anda a dormir com o sniper que matou a criança.

Há relações familiares mal resolvidas no passado, com os pais ou com as mães, e as relações sexuais do presente. Freud anda por ali, ele está no meio de nós.

O próprio terapeuta (Mário Magalhães/Virgílio Castelo) vive os seus conflitos familiares. A mulher (Catarina Magalhães/Leonor Silveira) acusa-o de dar mais atenção aos pacientes do que aos três filhos (de 19, 16 e 9 anos) e a ela própria. Sabemos que Catarina se envolveu com alguém, com quem mantém uma intensa relação física.

Mário fica chocado com as descrições pormenorizadas que a mulher lhe faz sobre a sua nova vida sexual. Escutamo-las através das conversas que o terapeuta mantém às sextas-feiras com a psicóloga sua antiga supervisora (Graça Ribeiro/Ana Zanatti). A relação entre os dois terapeutas é tensa, com ressentimentos, mas também apaziguadora.

Esta é uma das descrições possíveis de Terapia, um espelho de nós. Cada telespectador tenderá a centrar-se na personagem com que mais se identifica, naquilo que mais teme, no que tem por resolver ou no que pensa já ter resolvido. Certo de que ninguém é sempre feliz ou infeliz.

Num formato importado, a adaptação da série pela SP Televisão para o nosso contexto foi, no geral, feita com competência. Destaque para o notável desempenho de todos os actores (em especial, pela sua juventude, de Catarina Rebelo) e aplauso para a realização de Patrícia Sequeira.

Parafraseando o terapeuta no final de cada sessão: “Acabou o nosso tempo.”