Semana da moda
O romantismo desconstruído dos Marques’Almeida em Londres
Marta Marques e Paulo Almeida, a dupla portuguesa vencedora da 2.ª edição do LVMH Prize, da Louis Vuitton, não fugiram à sua matriz da ganga trabalhada e desfiada, mas introduziram novos materiais e cortes para a Primavera/Verão 2016.
Terça-feira em Londres, no último dia da Semana de Moda da capital britânica: a jovem marca de autor criada por portugueses com maior projecção internacional apresentou uma colecção com materiais fluidos e transparências, mas com as mesmas raízes – há um q.b. de romantismo, sentido nas saias longas e nos folhos, contrabalançado com as bainhas desfeitas, a ganga forte e o couro.
“Os últimos seis meses têm sido avassaladores. Por isso queríamos manter [esta colecção] pessoal e íntima”, explicou Marta Marques nos bastidores do desfile, à edição britânica da revista Vogue. Em Maio, a dupla foi escolhida por um júri que incluiu Karl Lagerfeld, Marc Jacobs ou Phoebe Philo para receber 300 mil euros e acompanhamento técnico de um dos maiores grupos de luxo do mundo, o Louis Vuitton-Moet Hennessy. E daí a necessidade de voltar, de se manterem ligados às suas raízes, celebrando a individualidade.
Para a Primavera/Verão 2016 da marca, os Marques’Almeida pegaram na música Left Alone de Fiona Apple, referência dos anos 1990, que reflecte precisamente sobre a vontade de manter as coisas em bruto, pessoais, no meio do crescimento, e também se inspiraram na sessão fotográfica que uma das suas modelos fez com uma amiga de infância, Jaz. Uma rapariga que se veste de forma ecléctica – num dia pode escolher um vestido de casamento e jeans no dia seguinte. Essa imagem representa, para o duo, um género de “entusiasmo e incerteza jovem que é a antítese da construção da marca”, explicam ao site Business of Fashion.
Na sala que acolheu o desfile desta terça-feira em Islington, uma garagem longe do centro de Londres, as paredes estão despidas e com tinta a cair. E nas primeiras filas estão as mais importantes críticas e editoras de moda internacionais, entre elas a influente Suzy Menkes da Vogue internacional, representantes de grandes armazéns, buyers. Há, também, muitos que escolheram vestir peças em ganga – umas de colecções anteriores Marques'Almeida, outras de marcas de moda rápida. A ganga é o material-chave dos designers, inspirados pela década de 1990 e pela estética do início dos anos 2000, e os convidados do desfile sabem-no. Os Marques’Almeida “são, e têm sido já há algum tempo, a marca que provoca um burburinho cool em Londres”, aponta a Vogue britânica.
Do trabalho em brocados da estação passada que disseram, em Fevereiro, ser uma saída da sua zona de conforto, passaram para os tops com decotes halter com fivelas (em materiais como a camurça, chiffon e seda), às saias desconstruídas pelo tornozelo mas que se arrastam pelo chão, aos casacos com folhos volumosos, gabardines e blusões biker, e, claro, as gangas desfiadas – em calças à boca-de-sino, em crop tops, vestidos curtos, em casacos. A descontracção, a casualidade e o conforto continuam a fazer parte da colecção e da identidade da marca. Na paleta de cores, além do característico azul da ganga, há bege, vermelho, rosa forte (em blocos) e um padrão floral.
Este desfile foi o primeiro da marca integrado na passerelle principal do calendário oficial da Semana de Moda de Londres – nascida em Abril de 2011, nas duas primeiras estações a Marques'Almeida apresentou-se no núcleo Fashion East, para jovens designers em início de carreira. Depois, e até Fevereiro deste ano, subiram à passerelle londrina na plataforma NewGen de novos designers. Esta apresentação para a Primavera/Verão 2016 foi também a primeira em que puderam escolher o local do desfile.
Suzy Menkes, uma das últimas a chegar ao desfile, escreve que o estilo “intrigante” da dupla portuguesa está “drasticamente em sintonia com o de marcas como a Gucci e a Saint Laurent, onde os designers estão a deixar a superfície de luxo educada e polida para oferecer algo de novo”.
Também o site de referência na indústria Business of Fashion comenta que esta colecção demonstra que a marca Marques’Almeida está a crescer em escala – o lançamento de uma colecção resort [uma colecção intermédia, vendida em Novembro] e a inclusão de malas e sapatos com design próprio em desfile são prova disso. “É animador saber que não estão a tentar fazer tudo demasiado depressa e têm conseguido manter uma mão distintiva no seu trabalho. E aqui mão é a palavra operativa, uma vez que os designers passam horas a desfiar chiffon tão fino como papel e seda que se arrasta no chão como nuvens rápidas. Esse tipo de trabalho e honestidade é precioso no actual panorama da moda.”
A seguir à apresentação no Inverno 2015, “as vendas duplicaram outra vez, o interesse de lojas explodiu, o interesse para projectos especiais voltou”, explicou Marta Marques ao PÚBLICO em Outubro. A facturação anual da Marques’Almeida está no milhão de libras (cerca de 1,4 milhões de euros), o dobro de 2014. Segundo o jornal especializado Women’s Wear Daily (WWD), Thomas Tait, o vencedor da primeira edição do prémio da Louis Vuitton, duplicou o volume do seu negócio depois de receber a distinção. A dupla portuguesa, para já, conseguiu dar “consistência à sua estética sem esquecer a sua visão grunge”, avalia o WWD, e exposição global. “É para prestar atenção a estes dois”, acredita Suzy Menkes.