O gato das botas
A pastinha Midori é o porta-papéis mais adorável desde o último porta-papéis que estava na moda. Mas desta vez é diferente...
É um prazer escolher e cortar o papel e depois cozê-lo em cadernos. Se não fica perfeitinho, tanto melhor.
Como toda a gente da minha idade, passei uma fase Filofax e passei uma fase Moleskine. O mal da Filofax eram os furos que estavam sempre a rasgar-se e, sobretudo, a dificuldade de guardar as folhas já escritas.
O mal dos Moleskines é que são mal construídos, o papel não presta e deterioram-se muito depressa. Pelo menos é assim que as coisas me parecem em 2015. No fundo, é tudo uma questão de modas.
Depois de muito resistir, cedi à moda da Midori: é uma capa de cabedal que consiste de uma só peça de cabedal dobrada e presa por um elástico. O cabedal é muito bom e cheira muito bem. À medida que envelhece vai-se tornando mais bonito. Sendo japonês, presta-se a ilustrar maravilhosamente o conceito de wabi-sabi, uma apreciação das imperfeições e da patine deixadas pela passagem do tempo.
Dentro dessa capa prendem-se todas as espécies de cadernos e arquivos, sempre com elásticos. Quando esses cadernos estão cheias arrumam-se nuns bonitos arquivadores que a Midori fabrica.
Cada capa vem com um caderno e dois elásticos: o suficiente para começar. Custa 40 libras (64 euros) e durará uma vida inteira.
Comprei a minha Midori no excelente The Journal Shop (thejournalshop.com), que faz o favor de pagar os portes em encomendas superiores a 75 libras. Como a loja está cheia de deliciosa papelaria japonesa, não foi difícil arranjar maneira de estourar mais 35 libras a quitar o Midori com mais cadernos, réguas, porta-cartões, etc. Já agora, não caia na tentação de comprar o porta-canetas: são trapalhões e desequilibram a pasta final.
É possível gastar uma fortuna nestes acessórios: resista. Os cadernos são altos e levam muito tempo a ocupar. O papel é de grande qualidade, podendo-se escrever em tinta permanente de ambos os lados de cada folha.
O prazer da Midori é a maneira como nos encoraja a montar a nossa própria pasta, conforme as nossas necessidades e pancadas. É divertido e, mal se aprende a ser criativo com os elásticos, produtivo. Não há agenda tão versátil como esta.
O melhor da Midori é não ser preciso comprar nada da Midori. Ponha “fauxdori” no Google e descobrirá um mundo inteiro de alternativas mais baratas. Basta olhar para uma capa Midori para ver que, com uns poucos furos e uns elásticos, um par de botas velhas de cano alto dá para fazer duas esplêndidas capas pseudo-Midori.
O design da Midori tem milhares de anos: era assim que se guardavam e protegiam manuscritos, envolvendo-os numa capa mole e atando-os com fitas. Também a feitura de cadernos é facílima: basta um furador, agulhas e linha de encadernação e um instrumento indispensável (para vincar e dobrar papel) chamada espátula ou dobradeira. Classicamente são de osso. Felizmente é tudo barato e duradouro.
É um prazer escolher e cortar o papel e depois cosê-lo em cadernos. Se não fica perfeitinho, tanto melhor. Adequa-se melhor à filosofia wabi-sabi. Em meia hora produzem-se quatro cadernos para o tamanho da capa Midori, a um preço irrisório.
Também é fácil arranjar versões caseiras e baratas (e muito mais rápidas) de todos os acessórios. A maneira mais preguiçosa é adaptar produtos de papelaria já existentes.
Até arranjar a minha Midori sempre preferi comprar as coisas legítimas, já feitas, pelo fabricante original. Continuo a não gostar de produtos que são meras imitações. Isso foi até descobrir a satisfação que dá usar cadernos e blocos feitos por mim. Não é só a forretice de pagar apenas um vigésimo do preço. É a gratificação instantânea. E uma espécie de espanto com a facilidade com que se produz um caderno.
Afinal o homo faber existe e recomenda-se.
P.S. Os meus agradecimentos ao pessoal da Tipografia Gráfica Sintrense, que simpaticamente me disse os nomes portugueses dos instrumentos. Para procurar onlineos nomes em inglês são awl (furador) e bone folder (espátula). Quem não estiver para isso facilmente se improvisa substitutos caseiros para ambos.