"A maior parte das mães não se acha suficientemente boa e são as primeiras a comparar-se (secretamente) com outras”, diz Sofia Anjos Daniel Rocha

Livro

Sofia Anjos e a coragem de dizer que a maternidade não é cor-de-rosa

Autora da rubrica Mães Há Muitas acaba de lançar "Difícil é parir a mãe". Um livro com as crónicas que escreveu para o Life&Style.

A frase é batida – “Ser mãe é a melhor coisa do mundo” – e resume o que significa a maternidade mas parece não dar espaço a entrelinhas menos cor-de-rosa do que é ser mãe. Sofia Anjos, cronista no PÚBLICO, onde assina a rubrica Mães Há Muitas, partilha, desde 2013, no site do Life&Style do jornal as experiências que deixam as mães à beira de um ataque de nervos, com um toque de humor, mas mordaz, para que não haja dúvidas de que afinal está a falar muito a sério. Para as “mães em construção” reuniu as suas crónicas num livro, Difícil é parir a mãe, que acaba de lançar. À venda com o PÚBLICO esta quarta-feira e cujo lançamento será em Lisboa, no próximo dia 6, às 18h30, na Bertrand do Chiado.

Na última crónica que escreveu para a secção Life&Style do PÚBLICO, Sofia Anjos atirou-se aos incentivos à natalidade. “Mais que a natalidade, há que incentivar as condições da infância. Mudar o alvo dos bebés que ainda não nasceram para os que já choram a plenos pulmões na lista de espera para entrar na creche. Uma infância em condições faz mais pela natalidade do que a passagem de ano."

É quase sempre desta forma que Sofia Anjos pega nas questões que afectam mães e pais. Incisiva e muitas vezes polémica, a cronista não se coíbe de apontar o dedo aos defeitos e qualidades delas, deles e de todos quando se fala de maternidade. E falar de maternidade, no caso da última crónica, é falar de falta de apoios à família na hora de ter filhos. Ao Life&Style disse que faltam creches. “A grande preocupação e encargo dos pais são as creches. Podem dar-me 500 euros para ter um filho, mais dois meses de licença e um abono. Mas de que me servem estas medidas pontuais se não tiver dinheiro para colocar o meu bebé de seis meses numa creche privada já que as públicas não têm vagas?”, questiona.

A autora volta a indignar-se quanto se trata de propostas como a da possibilidade de trabalhar em part-time, em troca de 60% do salário, até a criança ter 12 anos. “Face ao salário médio deste país, é ridículo. Além de que coloca a mulher novamente em casa e fora de um mercado de trabalho onde os patrões ainda perguntam nas entrevistas ‘se a senhora está a pensar ter filhos?’, olham de lado para as mulheres que faltam porque o filho acordou doente ou que saem pontualmente às 18h30 a correr para irem buscar os filhos”.

“Ser mãe é um luxo”
Mas esta é apenas uma ponta do enorme icebergue do que envolve a maternidade, uma tarefa que tem tanto de privilégio como de missão impossível. Se por um lado, ser mãe “talvez seja uma das conquistas mais significativas das mulheres”, Sofia Anjos considera que em 2015, perante o actual contexto económico do país, ser “mãe é um luxo”. “É uma opção cada vez mais ponderada. Começa a ser para quem pode e não somente para quem quer. E quem quer, acaba por ter, mas facilmente se fica pelo filho único”, argumenta.

Quem avança para a maternidade, dá um passo em direcção à maior tarefa de sempre. E isso é estar a ser posta à prova constantemente. A esses testes diários, Sofia Anjos respondeu nos últimos quase dois anos com crónicas como “Ser mãe é a tropa das mulheres” ou “As mães não se medem às mamadas”, as duas primeiras que escreveu e das que mais feedback tiveram dos leitores. Ambas falam das exigências que a sociedade impõe à mulher enquanto mãe e quando é preciso dizer “chega”.

“As mães vivem em permanente conflito para corresponderem ao papel idealizado de mãe. Idealizado pelo marido, familiares, amigos e sociedade mas, antes de mais, idealizado por elas próprias. Esforçam-se imenso para compensar o facto de trabalharem fora de casa, como se isso pusesse em causa a sua capacidade maternal a 100%. Por isso, estão sempre em esforço, culpa, compensação. A maior parte das mães não se acha suficientemente boa e são as primeiras a comparar-se (secretamente) com outras”, considera a também directora de contas numa agência de comunicação e mãe de uma menina que nasceu três meses antes de Sofia Anjos iniciar a rubrica Mães Há Muitas no Life&Style.

Aos “especialistas” em questões de chucha e biberão, Sofia Anjos agradece o apoio dos pediatras, “fundamentais, principalmente para as mulheres que são mães pela primeira vez pois transmitem-lhes segurança e desdramatizam os medos com uma voz científica”, mas é defensora de uma triagem quando quem diz que sabe são as avós, irmãs ou amigas. “Se uma mãe inexperiente decide dar ouvidos a todos, então sim, vai ficar confusa. Porque o pediatra lhe disse para não dar água ao bebé e a avó levantou as sobrancelhas ‘Porque eu dei-te água quando eras bebé e explica-me lá que mal é que a água pode fazer?!’. Enfim, face à quantidade de conselhos, informação e ajudas, impera o bom senso de cada mãe e, claro, o instinto. E aceitar que errar faz parte do processo”.

Abaixo os mitos, somos imperfeitas
No processo há muito de bom mas também momentos muito pouco cor-de-rosa. Falar desse lado é talvez o mais importante, “porque existe e se fala pouco”, segundo a cronista. “Não fica bem uma mulher querer ser mãe e depois queixar-se. Quando se fala do lado menos cor-de-rosa, as pessoas interpretam esta voz como lamúrias e ‘então, não tivesse tido um filho!’ ou ‘não merece o útero que tem’. É importante esbater os mitos à volta da maternidade que colocam a mãe num pedestal, ‘uma santa que nunca se cansa’ nem se farta dos filhos e para quem parir, amamentar e limpar é a melhor coisa do mundo. Será, talvez, para uma minoria”.

A lamúria é, portanto, positiva, porque “desabafar é terapêutico” para Sofia Anjos. As mães descarregam o cansaço e as frustrações e lá seguem a “correr novamente para os filhos, muito mais disponíveis para amar e cuidar”. “Acredito na lógica mãe feliz, filho feliz, mãe totó, filho totó, e por aí fora. Portanto, é bom que sejamos autênticas ou os nossos filhos estão tramados”.

Esta mãe de 40 anos assume que é difícil ser “imune às aparências e à tentação [da mãe] de esconder as suas imperfeições”. “Só que na maternidade as aparências imperam tanto quanto as imperfeições, logo, é insano querer lidar com ambas ao mesmo tempo. Ou começamos a deitar abaixo alguns mitos ou damos em doidas”, remata.