Pedro Cunha

Jardinagem

Rocha, a pereira de Portugal

Foi um fruto do acaso que apareceu há uns 180 anos na zona de Sintra. De então para cá, a pêra Rocha tornou-se um caso bem sério para os portugueses. Se quiser ter uma árvore destas lá em casa, está na hora de a plantar.

Apareceu no concelho de Sintra há uns 180 anos e não escapou à atenção do senhor Pedro António Rocha. Foi uma pevide, uma semente ao acaso, que deu origem a este tipo de pera, seleccionada por várias gerações de agricultores para se tornar na pêra de Portugal. Rocha é uma variedade cultivada — uma cultivar, como dizem os especialistas — da espécie Pyrus communis, a pereira europeia.

Propagar e plantar no jardim
Foi uma semente ao acaso que deu origem à primeira pereira Rocha, mas a propagação seminal tem muito que se lhe diga. A jovem planta resultante da semente só se reproduz na idade adulta. Durante o período juvenil não dá flor — nem fruto. Além disso, as jovens árvores provenientes de sementes são todas diferentes, como os filhos de uma ninhada. Não terá pereiras Rocha todas iguais, mas encontrará árvores e frutos diferentes que poderá seleccionar se lhe agradarem e, quem sabe, obter novas cultivares. Mas terá de ser paciente: as pereiras de semente só chegam à idade adulta depois dos seis anos. A sementeira de pereiras não é para jardineiros impacientes. A propósito, as últimas peras que comeu tinham sementes?


Por estas razões, a árvore original do senhor Rocha foi propagada por via vegetativa, através da estacaria e da enxertia que preservam a composição genética da pereira. 

Obtenha as árvores enxertadas num bom viveiro e plante-as no final do Inverno num local soalheiro. Avalie bem o espaço que tem no quintal e pense na sombra que a árvore adulta projetará. Se o espaço for escasso, terá de conduzir a pereira numa palmeta e não na sua forma natural. E peça ao viveirista um porta-enxerto pouco vigoroso. Ao plantar não enterre muito a árvore. Deixe o ponto da enxertia um palmo acima do nível do solo. Faça uma caldeira à volta do tronco para reter a água da rega. Se tiver em atenção os detalhes seguintes terá as primeiras peras em árvores de dois ou três anos.

Frio no Inverno e companhia na floração
A pereira Rocha tem as suas particularidades: não dá peras sem passar frio no Inverno e sem companhia de outras pereiras na altura da floração. Os fruticultores profissionais têm ferramentas para forçar um pouco a natureza, mas o jardineiro amador não precisa delas. O frio invernal é essencial para a formação dos botões florais e para uma floração sincronizada e abundante. Sem flores não há frutos mas as flores, por si só, não chegam. 

A pereira Rocha é auto-incompatível. Quer isto dizer que os óvulos têm de ser fecundados por grãos de pólen de outra cultivar de pereira, que floresça ao mesmo tempo e que seja compatível. Uma única pereira Rocha, sem vizinhança adequada, não dá peras naturalmente. A polinizadora ideal para acompanhar a pereira Rocha é a Carapinheira, mas a Morettini Precoce também serve. E cuide das abelhas polinizadoras na altura da floração.

Nem todas as flores vão dar frutos que possa colher. Por volta de Maio ou Junho a árvore vai deixar cair os pequenos frutos que não consegue sustentar até à maturação. Pode ajudar com uma monda de frutos logo após o vingamento. Custa ao fruticultor amador remover os pequenos frutos, mas a pereira funciona mesmo assim: produz muito mais flores do que os frutos que consegue alimentar até à maturação. Não se preocupe, terá peras mais saborosas.

A arte da poda
A pereira tem de ser podada. No início da vida, a poda de formação dá forma à árvore. Depois, a poda anual de frutificação equilibra o crescimento dos ramos com a produção dos frutos. A forma deve ser adequada ao local: pode ser um eixo, que respeita a arquitectura natural da árvore, ou uma palmeta rebuscada e muito artificializada. Fica ao gosto do jardineiro e do espaço disponível. A poda é um excelente passatempo para praticar e até um desafio intelectual. Experimente e observe os resultados. Verá as flores a surgirem em dois tipos de raminhos frutíferos, nos esporões curtos e nas verdascas mais compridas. 

Dedique à poda um dia seco de Dezembro ou Janeiro. Na dúvida, corte pouco: pode com a tesoura no bolso! Elimine os ramos débeis ou secos. Num eixo, remova os ramos orientados para o interior da copa e os que crescem quase paralelos ao tronco. Deixe a luz entrar na copa. 

Cuide das suas pereiras
A pereira necessita de cuidados: água, fertilizante e proteção dos inimigos. Analise a terra e corrija-a. Nas nossas condições mediterrânicas, com défice hídrico estival, regue para manter as árvores saudáveis. Terá de proteger a árvore e os frutos de algumas pragas e doenças. As suas pereiras serão visitadas pela borboleta do bichado, a icónica lagarta da fruta, por afídeos ou piolhos de diversas espécies e por outros insectos e ácaros. O pedrado e outras doenças provocadas por fungos também podem aparecer. Mantenha a biodiversidade do jardim e trate da sanidade das pereiras. Não seja negligente: se a sua pereira for infetada pelo fogo bacteriano avise as autoridades fitossanitárias, porque a doença é muito grave para todos os produtores de pêra. 

Desfrute a pereira e as suas peras
Se fizer tudo bem, terá belas árvores, floridas no início da Primavera, com folhas brilhantes e peras no Verão. Colhem-se em Agosto ou início de Setembro e são um óptimo fruto suculento, para consumir crocante ou fundente, conforme o gosto, ou cozinhar em pratos e sobremesas. 

Engenheiro Agrónomo e da Associação Portuguesa de Horticultura