Campanha
A terceira idade entrou na moda
Joan Didion é a estrela da Céline, Joni Mitchell está na Saint Laurent e Twiggy voltou para a L’Oréal. A moda não tem idade?
Quando a Vogue norte-americana anunciou que Joan Didion, 80 anos, uma das vozes literárias mais conhecidas e autora da obra O Ano do Pensamento Mágico, era a protagonista da nova campanha publicitária de acessórios da gigante francesa Céline, a Internet piscou duas vezes os olhos para ter a certeza que era verdade. O New York Times diz mesmo que esta escolha meteu o mundo da moda e a Internet num frenesim comparável ao da capa de Kim Kardashian para a edição de Inverno da revista Paper.
É uma lufada de ar fresco que contraria a tendência de escolha das modelos do momento – as it girls como Cara Delevigne, Kendall Jenner ou Gigi Hadid – dizem uns, elogiando a alternativa às habituais sex symbols. Outros têm uma opinião contrária e criticam as marcas. Tim Teeman, no Daily Beast, argumenta que apesar de “impressionante”, a escolha “corrompe” as “personalidades sagradas” destas mulheres. O Guardian faz a mesma crítica: “É deprimente vermos os nossos ídolos a habituarem-se a vender peças de roupa caras”.
Aos 65 anos, Twiggy, a modelo icónica que ajudou a popularizar o uso da mini-saia nos anos 1960, voltou para a L’Oréal, agora como embaixadora global da marca no Reino Unido. Juntou-se a Helen Mirren – que aos 69 anos, decidiu associar-se pela primeira vez a uma gama de produtos de beleza –, a Diane Keaton, de 68 e a Jane Fonda, de 77. Jessica Lange, de 64, é a cara da Marc Jacobs Beauty. Rugas, peles maduras e linhas de expressão carregadas convivem lado-a-lado com peles jovens e imaculadas nas campanhas de beleza. Nas de moda, a história repete-se.
As mais recentes são Joan Didion, de óculos de sol pretos, grandes, a tapar-lhe as rugas e enorme colar dourado, da Céline, fotografada por Juergen Teller no seu apartamento no Upper East Side, em Nova Iorque; Joni Mitchell, a lenda da música folk de 71 anos, apresentada como imagem da campanha Saint Laurent Music Project, dias depois de Didion; e as avós Gabbana na campanha Primavera/Verão 2015, que partilharam os holofotes com modelos masculinos e femininos mais novos. “O riso de uma mulher de qualquer idade é sinónimo de beleza”, escreveu a marca no Instagram. Os consumidores aplaudiram – em milhares de ‘gostos’ – e a imprensa elogiou a escolha.
Iris Apfel, 93 anos, é outra das mulheres mais escolhidas pelo mundo da moda. A aparência extravagante, apesar da idade, já fez dela imagem da marca & Other Stories, do grupo Hennes & Mauritz, em 2014, ou da campanha da marca de jóias Alexis Bittar para a Primavera. “Em termos de indústria da moda, estamos a vender a mulheres com mais de 35 anos mas estamos a mostrar-lhes imagens de raparigas de 19 e, muitas vezes, manipuladas”, disse Bittar ao jornal especializado Women’s Wear Daily, ao explicar a escolha de Apfel.
Aposta em visual inesquecível
Evidenciarão estas campanhas uma indústria em evolução e aceitação da beleza em qualquer idade ou será esta a maneira de atingir um público-alvo mais velho? “As boas marcas querem mais e não se esquecem que grande parte do seu target não tem as medidas 86-60-86”, comenta Rui Catalão, professor de marketing de moda na Lisbon School of Design e partner do BÁ Studio. A Forbes lembra, também, que apesar das indústrias de beleza e da moda não serem conhecidas por serem “inclusivas”, os seus principais consumidores, em 2020, serão pessoas com mais de 60 anos.
Fugir ao padrão de usar modelos altas, magras e com peles lisas é a “opção mais certeira para a indústria da moda”, diz ao Life&Style o professor, que considera que a indústria tem sofrido um “vazio de conteúdo grande” e que é “difícil” separarem-se das modelos esguias que povoam o mercado com os seus cânones de beleza.
“Ao optar por ‘modelos’ mais velhas, as marcas estão a apropriar-se do histórico, experiência e coolness dessa pessoa. Muita gente não saberá, por exemplo, quem é a Joan Didion mas o facto de os seus 80 anos assumirem o papel principal na campanha da Céline provam que esta é uma aposta visual inesquecível e marcante”, defende Catalão.