Eva Carasol

Separação

Divórcio, a palavra que cria medo em adultos e crianças

Na separação amigável ou litigiosa há passos que podem ser dados para diminuir o sofrimento dos pais e dos filhos.

Os números mais recentes sobre divórcios apontam para mais de 22.500 casos no ano passado. Apesar de ter havido um ligeiro decréscimo relativamente a anos anteriores, é inevitável afirmar que a separação amigável ou litigiosa banalizou-se nos últimos anos, a palavra divórcio começou a fazer parte da realidade de muitos casais e também das crianças – a parte por vezes esquecida de uma decisão de adultos, nem sempre ponderada e discutida. Entre pais e filhos, todos precisam de apoio para que ninguém seja prejudicado quando se põe um ponto final a um casamento e a um núcleo familiar de forma consensual ou na sala de um tribunal.

Para Lúcia Bragança Paulino, psicóloga Infanto-juvenil na equipa Mindkiddo da Oficina de Psicologia, a palavra divórcio é frequente nas consultas. Por isso, quis concentrar-se no apoio que pode ser dado aos filhos e aos pais que decidiram seguir caminhos diferentes. Enquanto psicóloga infanto-juvenil, tem verificado que para a “criança pequena, a separação dos pais é uma realidade bastante confusa podendo comprometer o seu bem-estar e desenvolvimento saudável”, com a gestão de sentimentos e emoções novas – insegurança, abandono, revolta, agressividade e culpa – a ser “geralmente o grande desafio ou ainda quando esta mostra sinais intensos e prolongados de sofrimento”.

Ajudas para pais e filhos
Foi a partir deste ponto que o tema divórcio passou a fazer parte da colecção Crescer com Pinta, da Oficina de Psicologia, publicada pela ArtePlural Edições. Depois do tema socialização, através do livro É tão bom fazer amigos, de Rita Castanheira Alves e Inês Afonso Marques, surge pela mão de Lúcia Bragança Paulino Agora tenho duas casas. Está ainda prevista a publicação de mais quatro livros sob outros temas.

Através da história da separação dos pais de Joana, a personagem principal que salta do livro para ganhar forma num pequeno boneco de papel, a psicóloga procura dar às crianças e aos adultos caminhos possíveis para tornar o divórcio uma situação entendível para os mais pequenos. Mas também dão dadas ajudas aos pais.

Numa primeira fase, a autora diz que é “fundamental que os pais estejam unidos e em sintonia aquando deste anúncio [divórcio]”. “A atitude dos pais pode facilitar ou dificultar a forma como a criança ultrapassa a separação. A criança terá grande dificuldade em compreender por que é que a família se ‘quebra’, se ‘separa’, visto que em todos os contextos lhe é transmitido o contrário”.

A incompreensão da criança sobre o divórcio dos pais pode levar a uma “sensação de culpa” e é necessário que os “pais transmitam o contrário” ao filho. “Costumo mesmo dizer que esta mensagem deve ser repetida várias vezes, pois embora pareça óbvio para o pai e para a mãe, que a criança não tem culpa na separação, não é óbvio para a criança nem muitas vezes para o adolescente”, observa.

Medo, insegurança, dúvidas
Medo e divórcio andam de mãos dadas quando a situação é apresentada à criança, que receia mudanças no seu quotidiano, quando até ali contava com a presença dos pais sob o mesmo tecto. Lúcia Bragança Paulino sublinha que é “normal que a criança tenha muitas dúvidas e alguma dificuldade em compreender a realidade da separação”. “A forma como a criança compreende e lida com o divórcio, atribuindo-lhe significados, vai determinar as emoções que vivencia. Poderá sentir-se mais culpada por algo que possa ter ou não feito, poderá sentir-se revoltada e também assustada”.

Além dos pais, o primeiro apoio a uma criança pode surgir entre os próprios amigos que tenham passado por uma situação semelhante. Com refere a psicóloga, “às vezes a partilha de estratégias entre pares pode ser mais significativa do que uma ajuda de alguém em quem a criança não tem confiança”. Também o jardim-de-infância e a escola têm um papel fundamental no apoio à criança. “A situação deve ser comunicada ao professor responsável, no sentido deste estar atento às mudanças de comportamento significativas por parte da criança, e no sentido de apoiar momentos de maior fragilidade ou ansiedade desta”, aconselha a autora.

Pais separados, duas casas, por vezes novos companheiros da mãe ou do pai... Quando se iniciam as primeiras idas à casa nova da mãe ou do pai, a psicóloga aconselha os pais a não se esquecerem do seu papel de cuidadores. “O apoio e o diálogo é também um factor essencial”, considera, defendendo que deve ser criado “espaço para que a criança possa dizer o que sente, o que receia ou o que não compreende”.

Lúcia Bragança Paulino alerta que a própria logística para adaptar fisicamente a criança a um segundo quarto pode ser tão “complexa que em nada ajuda a adaptação”. Cabe aos pais promover “momentos positivos e tranquilos, que transmitam segurança à criança”. Para a chegada de novos elementos à família, como a nova namorada do pai ou aquele amigo especial da mãe, a psicóloga insiste que é “necessário haver diálogo e muita compreensão por parte dos pais” para as dificuldades que a criança possa vir a apresentar. “É algo que deve ser transmitido de uma forma gradual para que a mudança seja também ela gradual”. “As crianças querem ver os seus pais felizes e embora exista muitas vezes o secreto desejo de reconciliação dos pais, também é verdade que alguns procuram o príncipe encantado para a mãe e a princesa para o pai”.

Divórcio na sala do tribunal
Medição de forças, discussões sobre o mais ínfimo pormenor, costas voltadas, palavras que nunca deveriam ter sido ditas. Este é o cenário típico de um divórcio que ultrapassou a fase de entendimento entre as partes e acaba por chegar a tribunal. Novamente, o bem-estar físico e psicológico de uma criança filha destes pais sofre riscos e torna-se um desafio para os profissionais a quem é pedida ajuda.

É sobre esta realidade que Daniel Sampaio fala no seu novo livro O tribunal é o réu – as questões do divórcio, que será lançado dia 26 de Novembro, pela Caminho, na Livraria Férin, em Lisboa.

O director do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria e professor de Psiquiatria e Saúde Mental na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa escreve sobre divórcios litigiosos em que é pedida a intervenção do tribunal e quando este “comete muitas vezes erros que afectam profundamente a vida das crianças”, quando decide sobre o que irá acontecer ao filho ou filhos do casal. “Os problemas do divórcio são sobretudo importantes quando existem filhos, embora não haja divórcios simples, visto que a separação implica sempre uma perda”, observa o psiquiatra.

Dividido em duas partes, O tribunal é o réu analisa o percurso de um casal em processo de separação pela via judicial e depois a história de amor de dois jovens que terminou em divórcio, ambas ficcionais mas indicativas da realidade de quem vive divórcios litigiosos. Daniel Sampaio sustenta que tudo começa mal logo nos argumentos apresentados por cada um dos elementos do casal para decidir que a separação é a solução. “A minha experiência  mostra bem que os casais se precipitam na ruptura sem a ponderação necessária”, afirma, sublinhando que “numa relação afectiva prolongada são inevitáveis as crises, os momentos de afastamento e as situações de tensão”.

O psiquiatra conclui no seu trabalho que é “possível o casal reflectir sobre os padrões destrutivos da sua comunicação, potenciar os reservatórios do seu amor e encontrar novas alternativas relacionais”. Se o casal não o consegue fazer por si só, deve procurar ajuda nos amigos, num médico ou num terapeuta, reforça.

Mesmo nos casos em que a “comunicação é destrutiva, a crítica é permanente, a hostilidade é manifesta, a violência ocorre e a sexualidade deixou de ser importante” pode haver indicação para uma “terapia de casal, sobretudo no sentido de proteger os filhos”.

“Cultura do divórcio”
A palavra divórcio banalizou-se. Poderia dizer-se que quase todos nós conhecemos alguém que passou por uma separação. Existe mesmo uma “cultura do divórcio”, sustenta Daniel Sampaio no seu livro. “Faz parte da sociedade actual pensar pouco, decidir depressa e não pensar nas consequências dos actos que se praticam. Diz-se que as pessoas se separam porque ‘o amor acabou’, mas quem pode dizer com simplicidade que o amor acabou?”. No seu livro conta a história de Sara e de Tomás, em “conflito intenso no divórcio, mas que são assaltados por dúvidas e recordações da sua paixão”. “São as recordações do amor passado que explicam [em parte] a intensidade da zanga no divórcio”, explica.

“Conflito intenso”, “zanga”. E como ficam os filhos destes casais? À semelhança da psicóloga Lúcia Bragança Paulino, Daniel Sampaio afirma que as “crianças sentem medo, culpa, desejo que os pais se reúnam de novo”. “Embora na maioria dos casos acabem por se adaptar, o primeiro ano é muito difícil”, acrescenta, considerando que a “'cultura do divórcio' quer tornar tudo simples e natural, mas as crianças e os adolescentes que vivem a separação dos pais sabem bem que nunca é fácil”.

As questões sobre o que é melhor para a criança e a garantia da sua segurança continuam a traduzir-se em fragilidades por parte dos pais e da justiça. O professor considera, por exemplo, que os Tribunais de Família e Menores, em Portugal, “não têm capacidade técnica para intervir na protecção de crianças e jovens vítimas do divórcio”. “A justiça é lenta, uma decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais pode demorar dois anos. Dois anos na vida de uma criança pequena é uma eternidade. É crucial dotar os tribunais de assessorias técnicas permanentes que contribuam para a decisão judicial e fazer diminuir a morosidade das determinações judiciais”.

Acima de tudo, o tribunal que avalia o caso deve “tentar que a criança mantenha relacionamento com os dois progenitores”, quando se justifica, e avaliar as condições em que a “parentalidade se vai exercer, sempre na perspectiva que a criança é a pessoa mais importante”.