Eduardo Sá defende mais actividade física, brincadeira e atenção às necessidades dos alunos
Eduardo Sá defende mais actividade física, brincadeira e atenção às necessidades dos alunos Nelson Garrido

Educação

Por que não gostam as crianças da escola?

“Hoje não vou à escola!”. A frase em aparente tom de protesto já foi ouvida por muitos pais quando preparam a sua criança para mais um dia.

Mas o que é que isso quer dizer? Não gostam dos professores, dos colegas, do que têm de aprender? Parte da explicação pode passar por aí, mas há muito mais que isso, como afirma o psicólogo Eduardo Sá no seu mais recente livro. E o caminho a tomar está nas mãos dos pais e dos professores. Têm apenas de aprender a escutar e repensar a actual forma de ensino, demasiado exigente, até porque “escola demais faz mal às crianças!”.

Eduardo Sá é crítico quanto à forma como funciona o actual modelo escolar, um modelo a precisar de uma “profunda transformação”. “Uma escola melhor deve adequar-se às crianças, informadas, do século XXI; aos pais que exigem comparticipar em todos os actos educativos dos seus filhos; e aos professores que gostam de servir de planalto de onde se veja melhor o mundo e a família. Um dia, acredito, ainda haverá crianças que fujam para a escola”. A citação faz parte do livro Hoje não vou à escola! Porque é que os bons alunos não tiram sempre boas notas?, da editora Lua de Papel, acabado de lançar, e seria para Eduardo Sá a realidade ideal.

O livro divide-se em dez capítulos, cada um com pequenos textos escritos ao longo dos últimos 30 anos e nos quais se fala dos erros que se cometem na educação das crianças mas também no que estas precisam para serem alunos felizes e equilibrados, o que as motiva ou esmorece. O também psicanalista e professor da Universidade de Coimbra e do ISPA, em Lisboa, não tem dificuldade em enumerar falhas no sistema de ensino e a forma como negligencia as necessidades da criança. “Falha quando esquece que menos exercício físico significa pior atenção. Falha quando não entende que muitas aulas e poucos recreios significam pior atenção. Falha quando substitui o brincar pelo stress crónico das crianças. Falha quando, em vez de autonomizar, transforma os pais [que deviam ser unicamente uma entidade reguladora] numa espécie de ‘empresa de serviços’ para os filhos”.

Eduardo Sá é defensor da inversão da actual hierarquia de prioridades para o crescimento e aprendizagem da criança. Para o psicólogo em primeiro lugar deveria estar a família, depois a “escola da vida”, o brincar e por fim a escola, ela mesma. “Todos os alunos para quem esta hierarquia não seja bem assim estão em vésperas de se tornarem crianças em perigo”, observa ao Life&Style.

É talvez neste ponto que se pode explicar porque há “bons” e “maus” alunos. Eduardo Sá sublinha, em primeiro lugar, que os “bons alunos não tiram, imperativamente, boas notas”, mas são aqueles que “percebem que a escola é preciosa e indispensável mas que, apesar disso, não pode ter mais importância para além da que merece”. São também eles que “percebem que a família é mais importante que a escola e que brincar é tão indispensável como aprender”. Para isso contribui o facto de terem bons pais e professores.

Do outro lado da linha estão os alunos com piores resultados, crianças que “copiam maus exemplos e os repetem, sobretudo quando têm à sua volta pais ou professores que falam da escola como um ‘mal necessário’ e encaram o futuro duma forma cinzenta e sem paixão”. “Não há ‘maus alunos’ sem uma coligação de ‘maus’ pais e de ‘maus’ professores”, realça Eduardo Sá.

“Recreios supersónicos” e alunos “empanturrados” com aulas longas
O professor observa que o risco de uma criança deixar de ter bons resultados está presente e agrava-se com a forma como a escola está pensada, sem ter em conta a “acutilância e o interesse dos alunos”. Segundo Eduardo Sá, alguns professores vão-se “transformando, contra a sua vontade, em burocratas da educação”, há escolas que “confundem domesticar com educar”, “empanturram-se os alunos com aulas expositivas de 90 minutos” e dá-se-lhes “recreios supersónicos de dez minutos”.

Para o psicólogo, tudo é exagerado quando se fala no tempo passado na escola em actividades lectivas e quem sofre é o desenvolvimento emocional e físico da criança. “A desconsideração que se cultiva em relação à educação física, à educação musical ou ao português, imaginando-se que tecnocratas de mochila serão sempre melhores adultos do que alunos que falam, que perguntam ‘porquê’ e que sonham ir sempre mais longe”. “É tão fácil tirar más notas que, ainda assim, é um exercício de indignação fantástico [dos pais, dos professores e das crianças] que as boas notas ganhem, com maioria clara, todos os anos!”, conclui.

A escola deveria ser como uma segunda casa para as crianças mas nem sempre é assim. Eduardo Sá afirma que a criança se pode afeiçoar aos colegas e aos professores e mesmo ao espaço físico da escola mas para que a “escola seja uma verdadeira segunda casa só falta que o director de turma e os pais sejam mais próximos”. Há que reduzir as “queixinhas” da escola na Caderneta do Aluno e os recados para o professor. “É preciso que, sem voluntarismos excessivos, os pais eduquem a escola, a escola eduque os pais e que os alunos os eduquem a ambos. Se for assim, os alunos passarão a fugir para a escola. Em vez de fugirem de lá”.

Em casa, a hierarquia de prioridades também é aplicada de forma errada, reinando a regra de "primeiro fazes os trabalhos de casa e depois brincas". Eduardo Sá sugere exactamente o contrário. As crianças devem estudar mas durante um período limitado de tempo, permitindo que, além do grupo da turma, circulem em outros dois grupos, sejam de desporto, música ou actividades cívicas, “para que aprendam com a diversidade”. Há que obrigar as crianças a brincar “todos os dias”, sustenta o psicólogo. “Brincar faz bem à saúde! E quem não brinca não aprende”.

Precisam-se de melhores “escutadores”
Eduardo Sá não tem dúvida que “todos os alunos têm sempre alguma necessidade educativa especial” e que o mundo não o aceita. Isso condiciona a forma como se pensa o ensino, esquecendo-se que “aprender demora tempo”. É preciso estar atento e escutar a criança. “De certo modo, um escutador ouve com o coração. É incisivo mas compreensivo, é exigente mas comparticipante. E isso tem um ritmo próprio e uma sintonia que requer que entre quem escuta e quem pensa em voz alta haja uma cumplicidade que não se conquista em dois dias e, muito menos, debaixo da tensão batoteira que, vezes demais, os rankings alimentam”.

Eduardo Sá deixa um conselho aos pais de vida apressada e preocupados com o pouco tempo passado com os filhos e aos professores responsabilizados pela educação: “Aconselho a todos que aceitem que não se pode amar o conhecimento crescendo zangado com a escola”.