Massimo Bottura na capa da Fool
Massimo Bottura na capa da Fool Per-Anders Jörgensen

Fool: A revista de comida que inspira

Considerada a melhor publicação de gastronomia do mundo em 2013, esta não é mais uma revista de comida com receitas.

Massimo Bottura, o chef da Osteria Francescana, em Modena, Itália, já foi fotografado centenas de vezes, ao longo dos anos. Mas, desta vez, Bottura e a equipa do seu restaurante, com três estrelas Michelin, reuniram-se para uma sessão fotográfica diferente. Não foi preciso preparar pratos bonitos com comida, mas foi necessário um guindaste. Em vez de se caracterizarem mesas na sala da Osteria, a sessão incluiu adereços como chicotes e carros vintage. E, ao invés das jalecas brancas, a equipa do restaurante usou casacos e vestidos de alta-costura.

Numa homenagem ao realizador italiano Federico Fellini e o seu icónico filme 8 ½, que transforma por momentos o chef Massimo Bottura na estrela de cinema Marcelo Mastroianni, esta sessão fotográfica tornou-se tanto na capa como num artigo de onze páginas do último número da revista Fool.

Noutro registo, mas não menos impressionante, a publicação dedica uma peça ao Fäviken Magasinet, no Norte da Suécia, considerado um dos restaurantes mais isolados do mundo, e aos seus fornecedores. Mas tem fotos do espaço? Não. Nesta sessão fotográfica apenas se mostram cinco cabeças de patos, usados no restaurante, uma forma de capturar a arte destas espécies, algumas muito especiais por serem criadas só para o Fäviken.

Ou a história de uma surf trip pela Califórnia de Ben Shewry, o chef do restaurante Attica, em Melbourne, Austrália. O artigo está no segundo número da Fool e tem o título Como 1,20$ mudaram a minha percepção culinária. Nele, Shewry conta a viagem que era para ter sido sobre uma pesquisa acerca do surf californiano, mas acabou por se tornar numa festa para o estômago, numa descoberta pelo mundo dos tacos ao longo da costa americana. E é aqui que está a diferença da Fool em relação a outras publicações de gastronomia. Esta é uma revista dedicada aos amantes da comida que tem garra, que inspira, que impressiona, que parte a loiça toda. A Fool é a criação de Lotta e Per-Anders Jorgensen, um casal sueco com vários anos de experiência em fotografia e direcção de arte. Apesar de o primeiro número ter sido publicado em Maio de 2012, a ideia de produzir a Fool já tem algum tempo. “A Lotta era directora de arte da Swedish Gourmet Magazine, há 15 anos, e foi ela que me contratou para a revista”, contou ao PÚBLICO Per-Anders. “Desde então, estávamos constantemente a falar que faltava uma boa revista de gastronomia.”Entretanto, há dez anos o duo sueco casou-se e imediatamente tiveram o desejo de produzir algo juntos. Depois, trabalharam em vários projectos, Lotta como directora de arte e Per-Anders como fotógrafo. Finalmente decidiram dar o salto e lançar a sua própria publicação.

“Nós criámos a revista por amor tolo à comida, daí o nome Fool, porque queríamos uma publicação diferente, onde pudéssemos contar as histórias únicas e curiosas de tantas pessoas, produtos e locais fantásticos que conhecemos”, conta Per-Anders.

Só que, tal como se vê na sessão fotográfica de Massimo Bottura, a Fool é diferente de outras revistas de comida, uma vez que conta com inspiração da moda, design e cultura. “Nós pretendíamos ser uma mistura entre uma publicação clássica de reportagem como a Life, ter textos muito bons e longos como a New Yorker e ser muito visuais como a Vogue”, reflecte Per-Anders.“Quando levámos um primeiro esboço da revista a Espanha, há onze anos, as pessoas não conseguiam ler as palavras. Só conseguiam ver as imagens. Por isso, decidimos criar algo muito evocativo e comunicativo. Pode-se comprar em todo o lado e percebe-se sempre de alguma forma”, refere Per-Anders, em conversa telefónica.

Para Per-Anders, o objectivo máximo da Fool é inspirar. “No número mais recente, falamos sobre um chef na Sardenha que produz o seu próprio queijo. Há muito pouca gente no mundo que o faz, quanto mais num restaurante. Nós queremos que as pessoas olhem e pensem que também podem tentar. Queremos inspirar os leitores a pensar de forma diferente.” Contudo, ao contrário de outras publicações que falam de comida, a revista não tem receitas. “A Vogue não diz como se faz um vestido. Mostra uma peça de roupa muito interessante”, explica o sueco, que também não pretende dar mais cobertura mediática às estrelas da cozinha. “Já há revistas que falam sobre certos chefs mais conhecidos. Mas esta escolha não tem sido muito democrática. Há tantos chefs e tão bons, que fazem coisas magníficas, mas estão calados. Por exemplo, vários chefs italianos não sabem falar inglês. Por isso, pensam que, se não conseguem falar a língua, também não chegam a um público internacional. É triste. Nós queremos dar voz a estes chefs”, adianta Per-Anders.

A revista tem uma periodicidade trimestral e cada edição tem um tema diferente. O primeiro número foi dedicado à natureza e, entre vários artigos, deu uma visão dos bastidores do restaurante Mugaritz, em San Sebastian, onde o chef espanhol Andoni Arduriz usa ingredientes locais para trazer os comensais para mais perto do mundo natural, e contém um perfil de Ben Shewry, o chef australiano do restaurante Attica, que faz uma cozinha de autor com plantas selvagens e legumes que colhe diariamente da costa de Melbourne, Austrália. Na segunda edição, chamada “Debaixo do Solo”, inclui histórias que vão desde cozinheiros chineses que tentam quebrar barreiras culturais no país até ao chef Angel Léon, do restaurante Aponiente, na Andaluzia, que vai buscar os seus produtos, tais como o plâncton, aos oceanos.

Já a terceira, “Origens”, olha em profundidade para o trabalho do chef Sean Brock, do restaurante Husk, na Carolina do Sul, que se demarca da galinha frita e das papas de milho, os estereótipos da região. Procura, ainda, dar a conhecer os chefs mais subvalorizados do mundo e uma visão histórica da comida da Suécia.

O número mais recente é totalmente dedicado a Itália. Na quarta edição, o chef Massimo Bottura e a equipa de cozinha do restaurante Osteria Francescana, em Modena, fazem uma homenagem ao realizador italiano Federico Fellini, contam-se histórias da comunidade italiana em São Paulo e de como a máfia influenciou a comida em Itália.

Lotta e Per-Anders são as únicas pessoas que se dedicam inteiramente à Fool, em conjunto com dois subeditores. Os restantes textos chegam de diferentes gastrónomos e jornalistas internacionais conceituados. “Praticamente sou só eu e a minha mulher a elaborar a revista e tem sido uma loucura”, recorda o fotógrafo. Porque para produzir estas quatro edições foram precisas muitas horas de pesquisa, mas, acima de tudo, de trabalho no terreno. “A nossa forma de trabalhar consiste em viajar, conhecer pessoas e perceber culturas, ideias e projectos. Outras revistas têm o preconceito sobre uma história, sentados à secretária em Nova Iorque. Nós gostamos de ir aos locais de mente aberta para descobrir. Às vezes temos sucesso, outras vezes é um desastre. Mas há que tentar”, diz o sueco.

Além de textos e fotografias fascinantes, o sucesso da Fool também se deve ao facto de a revista ter sido considerada a melhor do mundo na área da gastronomia em 2013, nos World Gourmand Awards, uma distinção com que nem Lotta nem Per-Anders contavam. “Foi muito estranho. Recebi um email a meio da noite e pensei que era spam ou que estavam a gozar connosco”, confessou. “Mas o melhor prémio é o carinho dos leitores. E o mais interessante é ver o interesse das pessoas nas histórias. Na terceira edição, falámos sobre um ex-crítico de perfumes do New York Times, que organiza jantares olfactivos em todo o mundo, e tive logo dois chefs a ligarem-me a pedir para os apresentar. É tão bom quando estamos a ligar pessoas”, referiu o sueco.

E nem a crise nas publicações em papel por causa da chegada do online faz Per-Anders temer pelo sucesso da revista. “Nós fazemos algo que é um nicho e, por isso, há sempre mercado. Queremos criar uma revista que viva muito tempo. Mas, claro, existe crise porque tudo se tornou mais turvo, mais diluído, textos mais curtos, menos páginas e menos jornalismo real”, afirma. “As pessoas compram a Fool porque querem olhar para o papel, para os artigos e para as fotografias.”

De referir que foram impressas 5000 revistas para cada uma das primeiras edições e 10.000 para a terceira – esgotaram-se todas. Para o quarto número, a tiragem passou para 15.000 revistas e já restam muito poucas sobras.

Para os mais curiosos, o próximo número vai ser dedicado à religião e vai contar com a mesma dedicação, humildade e coragem para fazer diferente de Lotta e Per-Anders. Fica a promessa de um artigo com uma história sobre Portugal.

A revista Fool está à venda em Portugal em várias cidades, desde Braga a Ponta Delgada, como em Lisboa e no Porto (todos os revendedores nacionais em www.fool.se), com um preço de 11€.