Ioga do riso
Na Embaixada do Riso renova-se o visto à gargalhada
Aventurámo-nos numa sessão de Ioga do Riso e descobrimos benefícios vindos de gargalhadas contagiantes, umas mais genuínas que outras.
São 20h, é Fevereiro e está um frio de rachar. Um grupo de desconhecidos ri sem razão aparente num quarto andar da Rua Anchieta, na Baixa lisboeta. Lá fora chove – "aquilo foi um trovão?" -, mas ninguém dá por isso. As gargalhadas soam mais alto.
Os clubes do riso não têm nada de secreto, há aliás cada vez mais em Lisboa e no resto do país onde são já mais de 1000 os líderes do riso formados para orientar sessões. Mas para quem vai, como nós, experimentar pela primeira vez uma aula de Ioga do Riso, é fácil ser levado pela imaginação. Afinal, o que vamos fazer na aula? Rir? É certo, mas de quê e como é que isso se aprende?
Todos os meses a especialista Sabrina Tacconi organiza sessões de Ioga do Riso no Centro Gayatri em Lisboa, no âmbito do projecto Embaixada do Riso. Começou há oito anos e desde então não tem parado de divulgar o movimento em Portugal – esforço que lhe foi recompensado com o título de Embaixadora do Riso, a única em Portugal, atribuído pelo pai do Ioga do Riso, Madan Kataria, o médico indiano que fundou este tipo de terapia alternativa nos anos de 1990.
Fake it ‘till you make it
De acordo com o movimento criado por Madan Kataria, o conceito do Ioga do Riso baseia-se “no facto científico de que o corpo não consegue diferenciar riso verdadeiro de riso fingido”. E assim, o mantra assumido nas aulas é "Fingir, fingir até atingir", explica Sabrina Tacconi, responsável pelo projecto Embaixada do Riso, fundado em 2006. "É preciso lembrar que riso é diferente de sentido de humor. Uma coisa é achar graça, outra coisa é rir. O riso é algo físico, que podemos provocar do nada só porque queremos”.
Na página Laughter Yoga, o site oficial do movimento internacional de Ioga do Riso, lê-se que os benefício fisiológicos e psicológicos do riso falso ou genuíno são os mesmos. Uma pesquisa realizada na Índia e nos Estados Unidos provou que o riso reduz os níveis de hormonas de stress, como epinefrina e cortisol, no sangue. A tensão arterial pode baixar até 6% e os níveis de cortisol reduzem até 28%.
“Há uma componente terapêutica que pode ajudar em casos de depressão, para prevenir depressões e também quando há grandes mudanças ou perdas na vida de uma pessoa”, explica Sabrina Tacconi. “O Ioga do Riso é ideal para quem lida com dor, sofrimento e muito stress no dia-a-dia, porque as ajuda a gerir essas emoções. Falo de pessoas que trabalham em saúde, mas também professores, vendedores - o riso conquista os clientes -, empresários, quem trabalha em marketing, nos media e muitos outros.”
Na aula em que participamos não ficam claras as profissões de cada um e as idades variam entre os jovens adultos e alguns cabelos brancos. No grupo de seis há apenas um homem, uma situação rara segundo Sabrina. “Vemos muito poucos homens no Ioga do Riso, talvez porque eles achem que têm de ser sérios e que para rir têm os amigos e o sentido de humor. As mulheres são diferentes, são mais dadas à intuição e acreditam que podem curar-se sozinhas”. Nos últimos oito anos, Sabrina formou mais de 230 Líderes do Riso. Apenas 15 são homens.
Muito riso, muito siso
“Olá a todos. O meu nome é Sabrina e vou ser a vossa Líder do Riso nesta sessão. Preparados para rir?” Sim e não. No início da aula a boa disposição de todos é evidente, mas sente-se alguma apreensão no ar, já que ninguém sabe ao certo o que esperar. Antes de começar, percebemos que para além de nós há mais quatro novatos nas lides do Ioga do Riso, levados ali pela curiosidade.
A primeira sessão de Sabrina Tacconi foi um “choque”. “Fez cair-me a máscara e perder limitações que eu tinha no dia-a-dia. No fundo, abriu-me para uma nova dimensão, porque percebi que podia rir de tudo. Isso quebra toda uma estrutura interna e a ideia de que 'és inteligente porque tens sentido de humor' cai por terra. Agora sou mais poderosa porque tenho o riso”, explica a Embaixadora.
Dispostos em filas como numa aula de aeróbica, somos apresentados a alguma teoria do Ioga do Riso. Sabrina Tacconi explica as diferentes partes da aula, que inclui dança livre e meditação, e lança um desafio para o final da sessão, “que todos vamos para casa mais felizes, bem-dispostos e com um sorriso na cara”. Aprendida uma respiração simples, uma coreografia com palmas e um breve mantra, estamos prontos para passar à acção, que é como quem diz a galhofa total.
E desengana-se quem acha que rir é fácil e que toda a gente o sabe fazer. “Nem todo o riso é bom. Há que entender que rir de alguém não é saudável, mas rir com alguém porque se achou graça sim. 'Rir de' é muito diferente de 'rir com', e ainda há muitos anos de trabalho pela frente até as pessoas entenderem isso”, avisa Sabrina.
Solta o riso e vem com a gente
O primeiro exercício da nossa aula do riso obedece às regras da boa educação: andar pela sala e cumprimentar os colegas com um aperto de mão e rir com eles por nenhuma razão em particular. Alguns “passou bem?” depois, o gelo está quebrado. É difícil não rir quando toda a gente à nossa volta o faz, o perigo de contágio por gargalhada é real.
Os exercícios vão evoluindo dentro da mesma dinâmica. Mostramos aos colegas contas fictícias para pagar e rimos. Mostramos os bolsos vazios e tornamos a rir. Ganhamos o Euromilhões e rimos ainda mais. Sempre com a imaginação a trabalhar e olhos nos olhos com todos os participantes. No inicio da aula, Sabrina pediu-nos para olharmos sempre nos olhos da pessoas com quem estivermos a rir, alguns exercícios mais tarde percebemos que os olhos também riem (e não é pouco). Nada mau, para um final de tarde chuvoso num país afectado pela crise.
Colocando-se na qualidade de espectadora, Sabrina Tacconi, que tem nacionalidade espanhola, apercebe-se de um Portugal menos risonho nos últimos anos. “Vejo as pessoas mais sérias e mais carrancudas desde que a crise começou. Sinto muito esse peso e vejo situações complicadas. Por outro lado, também vejo as pessoas com vontade de dar a volta. Mesmo em tempo de crise devemos viver os sonhos e continuar a sorrir. Sonhar e sorrir é muito importante.”
Ao longo da aula há espaço para dançar livremente, treinar diferentes tipos de riso – destaque para o riso de leão com a língua de fora e as mãos a fazer de juba – e rir mais um pouco. No final temos o merecido descanso do guerreiro com um momento de relaxamento e meditação. A respiração torna-se mais lenta, a pulsação abranda e relaxamos. Sentimos sobretudo os músculos da face, tal não foi o trabalho que lhes demos.
Descemos à rua uma hora depois, a chuva abrandou e a cidade parece mais acolhedora. Sentimo-nos estranhamente bem. No caminho até casa rimo-nos sozinhos com o que acabou de acontecer. Imaginamos como seria para um vizinho de janela indiscreta assistir à aula do lado de fora e vamos parar a Nietzsche, filósofo alemão que escreveu: “E aqueles que foram vistos a dançar foram julgados loucos por aqueles que não podiam escutar a música.”
Clube do Riso
Centro de Yoga Gayatri
Rua Anchieta, 5 - 4º Dto., Lisboa
Aulas com Sabrina Tacconi (embaixadadoriso@gmail.com)
Às segundas terças-feiras de cada mês, às 20h00
Preço por sessão: 10€