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Dúvidas antes do casamento

Falem agora ou arrependam-se para sempre

“A dúvida é desagradável, mas a certeza é ridícula”, foi esta afirmação de Voltaire que deu o mote para o primeiro estudo sobre dúvidas antes do casamento. Os investigadores da Universidade da Califórnia quiseram compreender se é verdade que o melhor é não lhes ligar ou se estas podem ser motivo para alarme. Entre o estudo científico, um casal português e a conselheira sentimental de Alanis Morissette, as conclusões são unânimes: duvidar é normal, mas ignorar pode ser fatal.

Luísa e Jorge casaram há “dez meses e uns dias” e admitem que ainda estão “em modo lua-de-mel por tempo indefinido.” Por questões profissionais e financeiras, a professora de ioga e o contabilista tiveram que deixar para segundas núpcias “uma viagem a um país qualquer, desde que seja longe, tenha praia e quartos de hotel preparados para tudo”, brinca o contabilista de 29 anos. O sentido de humor do casal veio a revelar-se útil quando lhes perguntamos como viveram o tempo de noivado. Tiveram muitas dúvidas? “Bem, eu até podia falar sobre isso mas infelizmente não me lembro de nada. A explicação que eu e ele encontrámos é que tivemos um blackout [apagão], como nos filmes”, afirma Luísa.

Durante os dois anos e meio de namoro não houve crise ou discussão que afectasse o casal, mas, depois de Jorge lançar subtilmente um “e se casássemos?”, as coisas mudaram. “Disse logo que sim, nem pensei duas vezes. Já vivíamos juntos há algum tempo e tínhamos empregos estáveis, não havia muito que enganar”, conta a instrutora de ioga de 28 anos. A dimensão da pergunta só a atingiu mais tarde, em conversa com as amigas, quase todas solteiras. “Tens a certeza de que é isso que queres? Olha que é um grande passo. Achas que estás preparada? Quando tiverem filhos quem é que vais escolher para madrinha?”. Luísa esquivava-se às perguntas com piadas, mas “no fundo foram fazendo efeito e as dúvidas acabaram por atacar em grande.” Com Jorge acabou por acontecer o mesmo, mal os amigos lhe começaram a dizer para ele se preparar para “o enterro”.

“Eu sabia que o amava, mas a dada altura tudo aquilo me parecia demasiado avassalador. Foi a conversa dos filhos que me deixou pior. Não estava preparada para isso, aliás, mesmo agora não sei se estou”, revela Luísa. O noivo entretinha-se com outras preocupações, “não queria cometer um erro, tinha medo de estragar o que tínhamos e só conseguia imaginar potenciais cenários de divórcio”. A solução que encontraram não foi fácil, mas funcionou: afastaram-se durante alguns dias para pensarem em tudo, depois disso falaram durante horas sobre as ansiedades de um e do outro. Concluíram que as dúvidas que tinham eram “as parvoíces do costume” e acabaram por marcar uma data. 

Na certeza e na incerteza

Da peça de Shakespeare Muito Barulho por Nada ao clássico Noiva em Fuga, com Julia Roberts, as histórias sobre o sentimento de incerteza que se apodera das noivas (e noivos) antes do “sim” decisivo repetem-se. Com elas perpetua-se a ideia de que as dúvidas são só mais uma parte do processo e que o melhor é mesmo não lhes dar importância. Fartos de terem apenas a sabedoria popular para responder a estas questões, Justin Lavener e os colegas Thomas Bradbury e Benjamin Karney, da Universidade da Califórnia (UCLA), quiseram “testá-la usando dados científicos”.

"As pessoas acham que toda a gente tem dúvidas pré-maritais e que não nos devemos preocupar com elas. Nós descobrimos que elas são comuns, mas não benignas”, afirma Justin Lavner, doutorando de Psicologia e principal autor do estudo. Dos inquéritos concluiu, que em dois terços dos casais, um ou ambos os elementos hesitaram antes de casar e que as mulheres com dúvidas acabam por prever melhor um desfecho infeliz para o casamento.

No estudo "Do cold feet warn of trouble ahead? Premarital uncertainty and four-year marital outcomes", publicado em Dezembro no Journal of Family Psychology, perguntaram a 462 recém-casados (231 casais) se se sentiram inseguros ou hesitaram antes do casamento. Naquela que é a primeira abordagem científica ao tema, procedeu-se a um acompanhamento regular dos primeiros quatro anos dos casais, de onde se concluiu que as taxas de divórcio foram 2,5 vezes mais altas entre as mulheres com dúvidas.

Apesar do episódio do blackout, Jorge e Luísa não acreditam que possam vir a fazer parte desta estatística: “Já passou tudo, agora não há espaço para hesitar no nosso casamento. Eu tinha passado por uma relação destrutiva e o meu primeiro instinto foi ficar à defesa. Acho que ele tinha medo de assumir um compromisso e falhar”, afirma Luísa. “Tivemos que resolver algumas questões connosco mesmos, mas, se alguma coisa não correr bem daqui para a frente, as dúvidas não hão-de ter culpa de nada”, atesta o marido.

“Conhecemo-nos a nós mesmos, ao nosso parceiro e à nossa relação melhor do que qualquer outra pessoa, se nos sentirmos nervosos com isso, mais vale prestar atenção. Vale a pena explorar com o que é que se está preocupado”. O conselho de Justin Lavner baseia-se nas conclusões do estudo: em 36% dos casos, nenhum dos elementos do casal apresentou dúvidas, destes apenas 6% se divorciaram. Quando o homem era a único a duvidar, a taxa de divórcio foi de 10%; valor que atingiu os 18% no caso das mulheres. A combinação fatal de dúvidas neles e nelas resultou em 20% de divórcios, no período de quatro anos do estudo.

Antes que a dúvida nos separe 

Habituada a lidar com noivos ansiosos desde 1999, Sheryl Paul é uma das conselheiras amorosas mas conhecidas nos Estados Unidos da América. Este tipo de actividade já lhe valeu presenças em programas como o The Oprah Winfrey Show ou Good Morning America. Ao contrário do que o estudo da UCLA apurou - 47% dos homens com dúvidas, contra 38% das mulheres têm dúvidas antes do casamento-, Sheryl diz ao Life&Style que, pela sua experiência, “as dúvidas afectam mais as mulheres que os homens”. É através de consultas privadas, mas sobretudo pelo site Counscious Transitions, que elas entram em contacto com Sheryl Paul. Na sua página, a terapeuta e conselheira escreve artigos, dá conselhos e até vende um curso online sobre como lidar com as dúvidas antes do casamento. 

A maioria das mulheres que procuram aconselhamento ou fazem terapia pré-matrimonial não duvida do parceiro. “O problema era eu. Eu é que estava com 'macaquinhos' na cabeça, não era ele”, palavras de Luísa que acabam por resumir essa ideia. Sheryl Paul salienta que as noivas que ficam de pé atrás se culpam por “não sentirem aquilo quer era suposto estarem a sentir”. A autora do livro The Conscious Bride (New Harbinger Publications, 2000) destaca alguns dos dilemas mais recorrentes: “Amo-o suficientemente ou da maneira certa? E se eu estiver a cometer um erro? Não devia ser 100% certo que ele é ‘o tal’?”.

Como não lhes pode dar essas respostas, Sheryl Paul ajuda fazendo-lhes perguntas de foro introspectivo e apresentando algumas explicações: “Somos inundados com falsas mensagens sobre amor, casamento e romance desde que temos idade suficiente para absorver informação. Assim, quando chega a altura de casar (ou mal a relação se torne séria), comparamos o que sentimos com as fantasias irrealistas que Hollywood apresenta sobre relações e, inevitavelmente, ficamos aquém. É aqui que as dúvidas batem à porta.”

Depois do sim ao noivado, foi esse o sentimento que invadiu Luísa: “Estava à espera de ficar aos pulos e ver tudo a cor-de-rosa, mas isso não aconteceu; quanto mais pensava mais me preocupava”. A família tentou ajudar, à sua maneira: “As minhas tias diziam-me que era tudo normal e faziam-me sentir culpada por estar tão preocupada. Nem sei quantas vezes me disseram que, se eu era nervosa com outras coisas, o casamento não havia de ser diferente.” Até certo ponto Sheryl Paul concorda com essa afirmação, afinal, “se alguém é propício à ansiedade durante a vida inteira, é altamente provável que sofra de ansiedade no noivado”, afirma a terapeuta, que já consultou centenas de pessoas na mesma situação, incluindo a cantora Alanis Morissette.

Contudo, a incerteza não é exclusiva das pessoas nervosas. “As relações despertam os nossos medos mais profundos de sermos vulneráveis e nos magoarmos e, por essa razão, são terreno fértil para activar ansiedade”, explica Sheryl Paul. “As dúvidas não devem ser ignoradas, mas também não podem ser encaradas como sinal de que se está a cometer um grande erro. Devemos reconhecê-las como resposta saudável e normal a uma das maiores decisões da nossa vida”, acrescenta a autora, que considera que “a nossa cultura não vê esse medo como sendo normal”.

 “Se vir uma coisa estranha na sua pele, deve ignorá-la e ir para a praia ou vai ao médico?” Seja esperto e não a ignore – nem ignore as suas dúvidas”. Para Thomas Bradbury, co-autor do estudo da UCLA, é tão simples quanto isso. Em comunicado, o professor de psicologia lança o desafio: “Converse e veja como é que corre. Acha mesmo que as dúvidas vão desaparecer quando tiver uma hipoteca e dois filhos? Não conte com isso.”