Portugueses nos cinco continentes
Por Natais nunca antes celebrados
O Natal dos Portugueses pelos cinco continentes. Da Austrália ao Kosovo, de Macau aos EUA, sem esquecer Angola.
“O meu Natal este ano vai ser uma festa. Vou para a praia, com colegas de trabalho e amigos, fazer um barbecue, surfar o dia inteiro, beber umas cervejas, divertir-me ao máximo e aproveitar o Natal quente”. Aos 25 anos este é um plano à medida de André Batista, para quem “o facto de estarem 30 graus ajuda a esquecer a época natalícia”. No início de 2012 decidiu emigrar para a Austrália. “Porque não? Aqui consegues sobreviver e ainda ter dinheiro na conta para te divertires um pouco com um part-time. Isso, aliado ao facto de existirem ofertas de emprego nas mais variadas áreas, permite-te ter um emprego na tua área ou mesmo experimentar outras”, responde.
Atendimento ao cliente e mecânica de bicicletas são as áreas que André está a experimentar em Manly, uma zona de praia nos subúrbios de Sydney – “os que cá moram dizem que vivem numa bolha, em Manly existe tudo e não há muitas razões para sair daqui.” O contacto directo com a natureza e a tranquilidade que encontrou na Austrália contrastam com a azáfama que vivia diariamente entre as margens do Tejo. Entre casa, trabalho e faculdade, André “basicamente morava em Lisboa e dormia na margem Sul.” Emigrado há menos de um ano, já lhe é “complicado imaginar um dia voltar definitivamente para Portugal”, aprendeu que quer ver o mundo e viver em inúmeros países.
O Natal, ou melhor, o facto de ter que o passar a mais de 18 000 Km de distância do país onde sempre viveu, não o incomoda, afinal 24 de Dezembro sempre foi “uma festividade stressante” para André. “Desde que me lembro, os meus pais estavam divorciados e, especialmente no Natal, faziam-se os possíveis para ver os dois lados da família e passar algum tempo com todos”, recorda. Isto resultava num horário controlado: jantar com a mãe e a sua família, abrir os presentes entre as 21h e as 22h, terminar por volta das 23h, pegar no carro e tentar chegar junto da família do pai antes da meia-noite, já que ninguém começava sem que ele chegasse. No final de tudo isto, André ia ter com os amigos a um bar, para então se divertir.
Quando lhe perguntamos porque não vem a Portugal, responde prontamente: “sol, praia, surf, calor. Aqui é Verão, em Portugal está frio e chuva”. Pensando mais a fundo, André sabe que fica onde está sobretupo por "questões financeiras e de planeamento para o resto do ano”. Feitas as contas, “um bilhete de avião para Portugal custa perto de 1600 euros, durante esse tempo não trabalho, mas, no entanto, tenho que continuar a pagar a renda da casa e tudo o resto.” Há ainda o facto de o Natal representar uma época em que pode trabalhar mais horas na empresa, por estar em férias escolares.
André já está preparado para receber muitas chamadas no computador, através do programa Skype, tanto que vai fazer o “Natal dos Distantes”, uma vez que tem família espalhada por diversos países. “A única coisa que custa é saber que a minha mãe vai sofrer um pouco por não estar lá numa altura como esta. Sem ser isso, até é bom estar longe da confusão e puder ocupar o tempo a fazer um boneco de neve, na praia e com areia”.
Irmãos de armas
Nos Balcãs, os portugueses também vão marcar presença. Telmo Francisco é militar e está no Kosovo “em missão de paz a representar o exército português e Portugal”. Chegou à cidade de Pristina há cerca de três meses e é lá que vai passar o Natal com os colegas de missão ou, como ele lhes chama, “a família militar”. Em Portugal, país onde sempre viveu, a noite de 24 para 25 de Dezembro é passada com a outra família, a de sangue, numa celebração com algum significado: “é uma tradição importante porque posso estar com todos, conviver e, claro, também há as prendas”.
Pristina, a capital de um país que se viu independente da Sérvia há apenas quatro anos, vai ser o local onde alguns militares portugueses, como Telmo, vão passar o primeiro Natal longe dos familiares e amigos. “Vai ser uma experiência diferente que me vai marcar com certeza”, afirma o militar de 24 anos. Por lá, as ruas e os telhados já estão cobertos de branco e há neve suficiente para se esculpir um arquétipo de boneco. Para acrescentar à receita do espírito natalício têm uma pequena árvore de Natal enfeitada, com a bandeira nacional a servir de fundo. Os planos para a ceia também estão à altura: “será comida tradicional desta época e, no meu pelotão, vai haver uma troca de presentes, como manda a tradição”, diz Telmo, que admite que estar longe dos pais num dia assim vai custar.
Materialismo natalício
“Estando fora de Portugal e sozinho, o Natal não é importante para mim. É apenas uma época desprovida da família e de valores onde o materialismo fala mais alto”. António Brasil tem 34 anos, é engenheiro civil e vive em Macau. Na lista de motivos para emigrar junta o aspecto financeiro - “salário substancialmente mais elevado bem como benefícios não concedidos em Portugal” - ao profissional - “possibilidade de trabalhar em grandes projectos de cariz internacional, desenvolver e aumentar os meus conhecimentos profissionais”. Tudo isto embrulhado com a “possibilidade de viajar e conhecer países com uma cultura muito diferente da Europeia”.
Há um ano que está em Macau, mas já antes por lá tinha passado. Habituado a estar longe, quando se trata de passar o Natal por conta própria, tem um plano mais ou menos definido: “almoço em restaurantes muito bons e tento fazer um programa especial diferente do fim-de-semana típico ou viajo para um destino de praia para descansar alguns dias”, conta o engenheiro civil.
Contudo, este ano vai ser um pouco diferente. Há dez meses que a companheira de António, também portuguesa, se mudou para Macau, onde vivem juntos. Por isso, “vai ser um Natal mais parecido com o tipicamente português, porque há vontade de reviver a época festiva e os valores com que ambos crescemos. Vamos passar o Natal em família na casa onde vivemos, ainda que a família seja de dois apenas, mas a distância mais não permite.” Desta vez, o bacalhau, o peru e os doces vão marcar presença à mesa, numa noite em que para além da troca de presentes, vai falar com a família e os amigos mais próximos. Das recordações do Natal guardou “o bom sentimento que se instalava, fazendo com que o mundo fosse um pouco melhor, ainda que por alguns dias”. Ainda assim, não deixa de acrescentar: “acho que esse espírito de Natal morre um pouco a cada ano que passa.”
“Lá terá de ser um Bacalhau à Lagareiro”
Aos 22 anos, passar o Natal fora de Portugal também já não é novidade para Mário Camões. Actualmente a fazer um mestrado em Internacional Business, na Florida Internacional University, em Miami, viveu até aos nove anos em Macau. Aquando da transferência da soberania de Macau para a República Popular da China, veio com a família para Portugal e assim se juntou às celebrações: a véspera de Natal é passada em Castelo Branco, e no dia 25 ruma até ao Sorval, uma pequena aldeia perto da Guarda, onde reencontra os avós maternos. “É uma tradição importante sendo que resulta na feliz reunião da família acompanhada de óptimos pratos e doces típicos dos quais costumamos sentir saudades”, afirma.
Foi no campus da universidade que conheceu o colega de casa que o vai levar a passar o Natal com a sua família. “Celebrá-lo-ei ao estilo americano”, afirma Mário que relembra que “os americanos abrem os presentes na manhã seguinte em vez de na véspera de Natal, como estava habituado em Portugal”. Vai rumar a um pequeno bairro de uma vila em Kentucky, onde “todos os vizinhos decoram o interior das casas com pinheiros verdadeiros e o exterior com “luzinhas e homens de neve”, o que contrasta com Portugal onde “não existe tanto este hábito de decoração e as árvores de Natal são maioritariamente de plástico.”
O toque português vai chegar àquele estado do interior dos Estado Unidos da América por via da barriga. “Como não poderia deixar de ser, já reservei o dia a seguir ao Natal para cozinhar bacalhau para toda a família com que estou de momento a residir. Por falta de ingredientes lá terá de ser um Bacalhau à Lagareiro!”, afirma o estudante.
Hallacas, pan de jamon e bacalhau
O Natal de Carmelita Pires nunca foi exclusivamente português. Tinha dois anos quando emigrou com os pais para a Venezuela, por lá cresceu e viveu até que regressou de novo a Portugal, há cerca de 23 anos. Licenciada em Artes Plásticas, no ramo de Pintura, deu aulas como professora contratada durante 15 anos em Lisboa, mas em Outubro decidiu que estava na hora de mudar. Angola foi o destino escolhido para emigrar pela segunda vez, “devido ao facto de o meu marido ter conseguido uma melhor opção de trabalho e eu ter uma posição profissional instável e precária.”
Para trás deixou a Parede, em Cascais e juntou-se ao marido em Talatona, na zona Sul de Luanda. “Nunca pensei vir morar para este continente, é uma boa experiência. O contraste faz-nos ver as coisas de maneira diferente, dá-nos mais abertura e faz-nos compreender muita coisa.” Na Europa, costumava passar o Natal entre Lisboa e Algarve com a família, mas sempre com uma ponta de saudade da América Latina: “por motivos profissionais, desde que estou em Portugal, nunca mais fui à Venezuela no Natal. Só lá vou de vez em quando, no Verão.” Aos 54 anos Carmelita orgulha-se de ter uma família grande, sendo que a maior parte está na Venezuela, contudo compreende que não é fácil reunirem-se sempre que a saudade aperta. “Estarmos juntos no Natal é uma tradição familiar muito forte, mas, na medida que o apelo profissional tem exigido, a família fica separada, contentando-se com telefonemas e videoconferências”.
Em Portugal, a ceia de Natal de Carmelita e a família costuma ficar reduzida a um grupo pequeno, com a filha, alguns amigos e os pais, quando estes a visitam. “As minhas principais recordações são os preparativos para Natal: fazer hallacas, uma comida típica que exige a colaboração de todos e um dia inteiro. O pretexto ideal para tomar umas bebidas, brincar, conversar e receber amigos”. Numa ementa que se quer diversificada, Carmelita vai tentar incluir pratos venezuelanos e portugueses. Não será por isso de espantar que ao lado da travessa de bacalhau esteja um saboroso “pan de jamón”.
“Estar longe dói no coração, é como se estivéssemos perdidos e com dificuldade em nos agarrarmos à realidade imposta. Mas somos emigrantes e sabemos que vamos conseguir sobreviver a algumas lágrimas, tristezas e frustrações, fixando o nosso olhar no que temos e não no que nos falta”, são as palavras que Carmelita, 54 anos, emigrada pela segunda vez escolhe para terminar o email que nos enviou. “Emigrar é uma atitude, é como tentar tirar uma seta do corpo, que sangra e corre o risco de infectar, mas mantendo a convicção que o corpo vai conseguir sarar. Estou um pouco dramática… Deve ser o Natal ou o meu lado sul-americano!”, conclui.