Os saldos mornos de Agosto
Em contagem decrescente para o fim dos saldos, nas lojas da baixa de Lisboa as filas são pequenas, os expositores estão arrumados, não há cotoveladas nem lutas pela última camisola do tamanho S. Em Agosto, os saldos não são para todos os gostos, nem para todos os bolsos.
A meio da Rua Augusta, a montra da loja Truz chama a atenção pelos valores do desconto anunciado. Em crescendo, vemos a percentagem aumentar até aos 70%. No piso inferior percebe-se que o chamariz dos saldos atraiu bastantes clientes. São mais de 15 as pessoas – apenas mulheres – que procuram em cada expositor peças que lhes caiam bem no corpo e na carteira.
Adelina Sousa costuma passar à porta da loja mas nunca lá tinha entrado por achar que vendiam “roupas modernas para raparigas mais novas”. Aos 67 anos, Adelina Sousa decidiu procurar uma prenda para a neta de 18 anos, mas uma blusa preta rendada trocou-lhe as voltas. “Acabei por comprar uma prenda para mim, a minha neta vai ter de esperar pela próxima. Os saldos ajudam, mas a minha carteira não dava para comprar duas coisas no mesmo dia”, afirma. O facto de a neta ter ficado prejudicada desta vez não incomoda a avó: “às tantas ia comprar uma coisa que ela não gostasse. Assim sei que fico bem servida!”
Joana Gonçalves estuda Direito e é um ano mais velha que a neta de Adelina. Veio passar uns dias a Lisboa e esqueceu-se de meter na mala um biquíni, peça essencial para quem vai passar os próximos dias a Cascais com os amigos. “Hoje só vim às compras porque preciso urgentemente de um biquíni, mas ainda não encontrei nenhum. Ou não há tamanhos ou são mais caros do que o que queria gastar”. Joana pode ter saído de casa com um objectivo bem definido, mas acabou por sucumbir aos saldos: “comprei uns óculos de sol, mas só porque estavam muito baratos”, confessa.
Em tempo de crise as compras por impulso, como os óculos de sol da Joana, acontecem cada vez menos. Bruno Brazão é o primeiro coolhunter português credenciado - um especialista em antecipar tendências - e acredita que “actualmente, as pessoas pensam mais no uso diário que vão dar à peça, antes de a comprarem”. Para ele, “já não é tão frequente as pessoas comprarem uma roupa e depois acabarem por nunca a usar porque não gostam dela o suficiente”. A experiência no meio da moda leva-o a afirmar que “cada vez mais os portugueses aproveitam os saldos para adquirir peças que façam a diferença no guarda-roupa e que de outra maneira não iam arriscar comprar.” Ainda assim, tenta-se fugir à regra de apostar apenas nos básicos: “Nos saldos pode-se aproveitar para investir num casaco de cabedal a um preço mais apetecível ou encontrar um vestido de cerimónia ou para sair à noite que prime pela qualidade e diferença”, afirma Bruno Brazão.
A moral da história da cigarra e da formiga é aproveitada por alguns durante os saldos: “Aproveitar o Verão para preparar o Inverno” diz Adelino Nunes, reformado, enquanto mostra duas camisolas de gola alta acabadas de comprar na Zara da Rua Augusta. Ali, a montra não anuncia qualquer tipo de percentagem de desconto. No interior, as peças em saldo são agrupadas por valores. Por exemplo, num expositor para peças a 12,99 onde se encontram as malhas que Adelino comprou para a mulher. “Sei o tamanho e, como é tudo da mesma cor, acho que vai gostar. Mas só lhe vou dar quando chegar o frio!”, afirma Adelino Nunes.
Sentado à porta da mesma loja está Francisco Martins que, com 24 anos, entretém-se com o telemóvel enquanto bebe uma cerveja fresca - está à espera da namorada. “Era para ser um passeio e não uma ida às compras. Ela é que quis entrar na Zara só para ver uma coisa e já lá vai mais de meia hora”. Ana Braga, a namorada, sai finalmente da loja com dois sacos na mão. Tudo comprado em saldos. “Deixei-me levar um bocado porque encontrei algumas peças que andava a namorar e estava à espera que chegassem a um preço mais baixo”, afirma Ana Braga, 23 anos, desempregada.
Algumas ruas acima, Denise Lima não teve a mesma sorte. Há já algum tempo que esperava pelos saldos para investir nalgumas peças da Tommy Hilfiger. Entrou na loja da marca nos armazéns do Chiado, conferiu quatro ou cinco etiquetas e saiu sem levar nada. “Ainda está tudo muito caro. Queria aproveitar os saldos para comprar roupa de marca, mas mesmo assim não consigo” confessa a esteticista de 37 anos. O sentimento de Denise Lima é partilhado por muitos portugueses, que consideram que os saldos não são satisfatórios. Bruno Brazão relembra que “já não há apenas uma época de saldos. Ao longo do ano existem sempre promoções, mas na maioria das vezes são em peças pouco vendáveis e com pouco desconto”.
Habituado aos mercados internacionais, Bruno Brazão repara que “no estrangeiro os saldos são mais agressivos desde o primeiro dia”, salientando o exemplo de Itália, país onde viveu. Fica a ideia de que por cá “se faz por levar o cliente a entrar na loja com o chamariz dos saldos, apresentando depois como alternativa as peças da nova colecção”. Nenhuma das marcas contactadas prestou esclarecimentos quanto às estratégias de saldos utilizadas e potenciais influências da crise nos hábitos de consumo dos clientes. Bruno Brazão, no papel de consumidor, nota que “há uma estratégia diferente por parte das empresas, porque a mentalidade de consumo dos clientes mudou nos últimos anos e as marcas tiveram que se adaptar cada uma à sua maneira”. Estas estratégias podem passar por prolongar os períodos de promoção, criar campanhas de fidelização ou apostar em descontos especializados. Ainda assim, até 15 de Setembro, nas montras da baixa de Lisboa vão constar os clássicos anúncios com palavras-chave que até podem alternar entre “saldos” e “promoções”, mas cujo resultado é invariavelmente um preço mais baixo.