Restaurante Ocean
"Agora toda a gente espera que a comida desça do tecto"
Em 2011, Hans Neuner pôs fim ao reinado de Dieter Koschina, durante anos o único chef com duas estrelas Michelin em Portugal. O Ocean reabre com nova cozinha, duas estrelas e expectativas até ao tecto.
O Vila Vita Parc é um mundo à parte. Com uma praia nas traseiras, campo de minigolfe, ténis, golfe, spa e oito restaurantes, tem tudo para encerrar os dias ali passados na herdade, uma constelação de edifícios — e tentações — suficientemente grande para nos perdermos mesmo lá dentro. O hotel, que fez 20 anos no final de Abril, começou a festejar em Novembro de 2011 quando o restaurante Ocean recebeu a segunda estrela Michelin, alcançando o patamar do vizinho Vila Joya, onde, desde 1992, o chef Dieter Koschina detinha duas estrelas.
Sendo os dois chefs com duas estrelas Michelin em Portugal austríacos, um apreciador de gastronomia incauto poderia pensar maravilhas da gastronomia daquele lado dos Alpes. Contudo, a cozinha do chef Hans Neuner, de 36 anos, nada tem de sauerkraut, bife tártaro e cerveja — ainda que graceje que o tio sabe cantar tirolês. Esse lado mais cultural ficou no Biergarten, um restaurante que, sendo também propriedade do Vila Vita Parc, fica fora da herdade. Uma promessa de tarde de Verão com estômago pesado (há cerveja de trigo e salsichas) e espírito cheio à beira da estrada.
Mas que não haja dúvidas: o Ocean é, em simultâneo, o laboratório e o orgulho do Vila Vita Parc.”Estou sempre à procura de novos produtos. O mais importante para mim é encontrar algo que seja português eque mais ninguém use — e isso não é assim tão fácil — ainda que alguns dos produtos que utilizamos sejam por vezes muito comuns”, explica Hans Neuner, o chef executivo do Ocean.
Logo à entrada do edifício onde fica o Ocean no Vila Vita Parc, um pequeno jardim de ervas aromáticas marca o tom do restaurante. Passando despercebido entre as plantas e arbustos que pontuam a herdade, é uma pequena amostra do intuito de ali produzir os produtos que serão confeccionados — da Herdade dos Grous, do mesmo proprietário do hotel, chegam azeites, vinhos e trufas —, mas também de um q.b. de experimentação. “Prove esta erva”, dizem ao passar-nos uma folha recém-arrancada. “É o que estão a pensar usar para substituir o açúcar”. O sabor é doce, depois de um primeiro impacto mais acre com todas as notas do inesperado.
Maioria absoluta do peixe
“O que cozinhamos é uma mistura de tudo. É verdade que estamos muito focados em marisco e outros produtos do mar, porque quando alguém se senta no nosso restaurante e olha para o exterior o que vê é o oceano. Daí que não faça muito sentido usar produtos do campo. Também os usamos, mas a maior parte — à volta de 60% — é peixe e marisco”, diz Hans Neuner.
Na noite de 21 de Abril, o Ocean reabriu depois três meses de encerramento, com casa cheia e uma carta onde o salmonete, a sardinha de Sagres e o berbigão estavam em destaque, mas em que também houve espaço para a bochecha de novilho com entrecôte herford, beterraba e chicória. Contudo, esta carta dificilmente estará disponível hoje. Se a maioria dos chefs tem um compromisso de estação com a ementa do seu restaurante, Hans Neuner tem um curto caso de duas semanas com ela. “Se voltar daqui a 15 dias, teremos algo completamente diferente. Temos uma nova carta praticamente a cada duas semanas porque há novos produtos a chegar ou porque encontramos algo de novo”, afirma.
A notícia da atribuição da segunda estrela Michelin chegou à cozinha do Ocean poucos dias antes do habitual período de fecho de Inverno. Daí, esta reabertura não é apenas um sacudir o pó das toalhas e voltar a pôr o fogão no ponto. Pelo contrário, é toda a fasquia que se elevou, segundo Hans Neuner, até ao tecto. “Não mudámos a nossa forma de trabalhar porque ganhámos a segunda estrela por trabalhar da forma como trabalhamos. Não lhe chamaria pressão, creio que [a distinção Michelin] significa mais responsabilidade. Agora toda a gente vem cá à espera de — uuuh! — que a comida desça do tecto ou algo assim [risos]. Mas para mim o mais importante é ter um nível constante de qualidade do princípio ao fim da refeição.”
Durante o jantar, um prato circular, mas sem centro, despertou o interesse — até chegar uma das sobremesas, aninhada numa forma oval com uma abertura, disposta sobre uma torre de porcelana, como um enorme olho vigilante, que roubou todas as atenções. “As pessoas não vão a um restaurante para se sentar e comer. Também deve haver um pouco de entretenimento para que não se fique entediado ao fim de duas horas sentado”, afirma.
Ainda que Neuner dificilmente se aborreça com o ritmo frenético da sua cozinha, também garantiu algum “entretenimento” para si: facas forjadas por um ferreiro motard do Algarve, cujo metal de brilho psicadélico encaixa numa base particular em fóssil. Mas a grande novidade da reabertura do Ocean é a própria cozinha. “Não é que tenhamos construído uma nova cozinha, apenas a aumentámos um pouco”, explica Hans Neuner. As obras prolongaramo fecho do restaurante e foram como que um presente de Kurt Gillig, o director do hotel, pela segunda estrela. O chef viajou até à Áustria para, em conjunto com a equipa que tinha construído a cozinha quatro anos antes, quando ele próprio chegou ao Ocean, redesenhar o espaço de modo a torná-lo mais funcional. “A ideia era tornar a cozinha num sítio onde fosse mais fácil e rápido trabalhar e onde nos pudéssemos mexer à vontade. Daí que seja melhor ter o chef que trabalha nessa cozinha todos os dias a participar no processo e a explicar-lhes como construí-la”.
Se dentro da cozinha Hans Neuner tem de ter tudo aquilo de que precisa, cá fora, na sala de refeições, a história muda de figura. Um espaço simples, como poucos elementos decorativos para além da lareira e de um grande espelho, onde o foco está em dois elementos: a comida e o mar. “Quando cá entrei pela primeira vez, há quatro anos, o restaurante estava totalmente diferente, mas nem sequer lhe prestei muita atenção. Comecei logo a olhar lá para fora. Durante o Verão, as portas e janelas estão todas abertas e a primeira coisa em que se repara ao entrar é no mar.” Agora, o que realmente mudou foi o número de estrelas no horizonte.
Veja aqui o vídeo do restaurante Ocean na Fugas online.
Artigo publicado na revista Fugas de 5 de Abril