Série cinco bloggers, cinco estilos

Alfaiate Lisboeta, o artesão da objectiva

O radar do Life&Style captou cinco bloggers portugueses, entre emergentes e consagrados. Assinam na primeira pessoa e vêm de backgrounds distintos – Jornalismo, Sociologia, Direito e Arquitectura. Escrevem sobre moda e estilo, publicam looks, mas consideram redutor o rótulo bloggers de moda. Uma tendência: em Portugal, já é possível ganhar a vida na blogosfera. Fomos conhecer os que conseguiram e os que têm essa ambição.

“Banco Espírito Santo, fala José Cabral”. Foram frases como esta, “formatadas”, que dizia e repetia ao telefone a partir da dependência bancária onde trabalhava na Terrugem, Sintra, sem ligação à Internet, que começaram a saturar o autor de O Alfaiate Lisboeta, blogue criado em Janeiro de 2009.

Num quadro de conjuntura económica frágil, Cabral, 31 anos, funcionário bancário já efectivo, apresentou este mês a demissão. Quer dedicar-se exclusivamente ao blogue, “uma marca que cria valor”, e que lhe permitiu, nos últimos dois anos e meio, contactar outras marcas que consideram a associação a O Alfaiate Lisboeta uma mais-valia.  

Já não se contentava em fotografar apenas aos fins-de-semana, nas férias ou depois do trabalho. Quis dedicar-se a tempo inteiro ao blogue que lhe mudou a vida e o modo de viver. Tem agora como companheira fiel e regular uma câmara Canon 5D e anda na rua, a principal inspiração do blogue, com os olhos mais abertos do que nunca.

A decisão de José Cabral de criar um blogue “de estilo, mais do que de moda” não era, à primeira vista, óbvia. Até se transformar em Alfaiate Lisboeta, nunca tinha tirado uma fotografia, senão em modo automático, e estava longe de ser um “caçador” de modas e tendências. Mas a previsibilidade não é um posto no seu trajecto profissional: estudou Sociologia, mas não é sociólogo. Foi ainda comissário de bordo e bancário.

Cabral não se sentia realizado no trabalho, acusando indisponibilidade mental para explorar a veia criativa que julgava ter e “estava por utilizar”. Deparou-se com a necessidade de um projecto extra, como reacção às tarefas rotineiras na banca. Começou então a escrever crónicas sobre relações humanas, mas não teve a coragem imediata de as tirar da gaveta e publicar.

Certo dia, um amigo apresentou-lhe blogues como o Sartorialist e o Face Hunter. A experiência foi reveladora e José Cabral ficou a “ruminar” na ideia de criar um blogue que aliasse fotografias e textos originais. Apesar das limitações técnicas como fotógrafo, disse para si: “Quero fazer isto”. Isto era um street style blog invadido pelo “gosto por escrever e pelas relações humanas”. Cabral acredita que a singularidade de O Alfaiate Lisboeta provém daí e também de uma “visão mais larga da moda e do estilo” de um assumido outsider do meio.

O blogue – uma “publicação espirituosa” escrita em quatro línguas, que pretende “causar sensações” a quem ali passa, de acordo com o autor - privilegia textos intimistas e fotografias de pessoas anónimas que o atraíram em espaços públicos, regra geral, em ruas de grandes metrópoles, como Lisboa.

E de onde vem o "alfaiate" que designa o blogue e com que José Cabral se auto intitula? Numa altura em que os produtos hand made estão a ser recuperados por gerações mais novas e “experiências como pagar para cavar a terra” são exploradas por agentes de turismo gourmet, o nome pareceu-lhe apropriado aos tempos que correm. Contemporâneo e tradicional em simultâneo. “Lembrei-me dos velhos alfaiates”, afirma Cabral, recuando até ao momento da decisão do nome. Entretanto, no blogue dedicou um post ao senhor Horácio, o alfaiate da Graça que lhe faz os ajustes à roupa. Cabral acrescenta que o título do blogue pode ainda ser visto como uma metáfora. “Afinal, retrato o que as pessoas vestem e visto as pessoas [que fotografo] ”, conclui.

Cabral afirma que a segurança e a facilidade em comunicar o conceito de O Alfaiate Lisboeta permitem aos fotografados sentirem-se à vontade em poucos segundos – geralmente tira retratos a indivíduos em contexto citadino, mas também não se priva, quando o deixam, de fotografar uma grávida em topless numa praia, ou um pastor num prado escalabitano. “Não é a moda que me conduz, são as pessoas”, afirma Cabral. Esta postura, acredita, é uma herança do curso de Sociologia e da sensibilidade social e humana que afirma marcarem a sua personalidade.

José Cabral diz não estar interessado em divulgar produtos, mas em partilhar – num processo de dar e receber – “coisas giras (de estilo)”, desgarradas do que se está a passar, que podem ser ancestrais, inovadoras ou old fashioned.

O blogue – que muito recentemente chegou à marca dos 500 posts - abriu-o ao mundo “em todos os sentidos”, sentencia. Permite-lhe desfrutar do ar livre, em Portugal ou fora do país, e fazer contactos em vários pontos do globo. Foi ainda o ponto de partida para se tornar empreendedor, mesmo que com poucos recursos técnicos.

As portas abriram-se-lhe também para escrever ou fotografar para o jornal Metro e para a Vogue portuguesa. Aliás, os meios de comunicação tradicionais têm estado atentos ao fenómeno dos bloggers, convidando-os para programas de televisão, colunas de jornal ou rubricas na rádio. José Cabral vendeu ainda direitos das suas fotografias para campanhas da H&M Internacional e da Sonae Sierra, tendo em vista uma parceria com a Lacoste.

Nas palavras do Alfaiate Lisboeta, a blogosfera “permite que um Zé-Ninguém, como eu, tenha hoje uma publicação visitada por dez mil pessoas diariamente, e escreva no jornal mais lido no centro do Porto e Lisboa [O Metro], e estar em todo o mundo”. Através da Internet, ou na rua a tirar fotografias a pessoas.

Texto actualizado às 18h, de 22 de Agosto

No segundo artigo da série Cinco bloggers, cinco estilos, o fenómeno do blogue Allure Urbano, de Catarina Pinto, estará em destaque no Life&Style.