Adriano Miranda

Sapientia Boutique Hotel

Abriu agora e já é um clássico. É o único hotel no perímetro da Universidade de Coimbra Património da Humanidade, com uma vista rara sobre a Via Latina, e só isso é uma excelente razão para o conhecer. Mas não faltam outros motivos de encanto e surpresa.

“Da Universidade à rua José Falcão/ vai um pulo de anão/”… Poucos antigos estudantes de Coimbra se lembrarão da Rua José Falcão pelo nome. Mas não deve haver um que não se lembre da Rua do Pratas, mesmo por trás da Biblioteca Geral, aquela viela antiga que ia dar às escadas de Minerva e ao Bedel, a secretaria geral.

A taberna do Pratas, um lugar mítico onde “tanta geração de tunos bebeu”, assim imortalizado por José Alberto de Brito Cardoso: “Local de tertúlia eloquente/ com tinto e aguardente/ tudo é pretexto na fuga da sapiente Ferrand;/ vai tudo em cortejo ao Pratas/ homem bom em alpercatas/ de carisma e elegante élan” [in A capucha de minha mãe, Chiado Editora, 2015]

O Pratas já ali não mora, mas outros tesouros estão a nascer no quarteirão entre a Rua José Falcão e a Couraça de Lisboa, em plena alta Património da Humanidade da UNESCO. A antiga taberna ocupava uma pequena parte do antigo Colégio da Trindade, de cujas ruínas acaba de nascer a Casa da Jurisprudência, um projecto de excelência assinado pela dupla de arquitectos Aires Mateus que vai permitir uma importante expansão física para a Faculdade de Direito de Coimbra.

Uns passos à frente, no largo seguinte, o do Hilário, outro edifício branco se ergueu de memórias cinzentas. No lugar do antigo Centro Universitário Manuel da Nóbrega, onde tantas gerações de estudantes católicos estudaram, abriu portas em Junho o Sapientia Boutique Hotel, uma residência de charme com quatro estrelas na porta e “Cheio de Estrelas” no bar do terraço, um lugar mágico com uma vista única em 360 graus.

Este hotel de requinte e bom gosto foi obra de dois casais de Coimbra, amigos de longa data: um músico, André Sardet, uma engenheira, Catarina Dutra, uma professora de Literatura, Maria Israel, e um jornalista, José Manuel Portugal. Correram feiras, hotéis, lugares de referência no país e no estrangeiro para fazer do Sapientia um hotel de pormenor, onde nada é por acaso e tudo é pensado para um segmento que privilegia a qualidade. Abriu há pouco e logo entrou para um circuito artístico e cultural, nacional e internacional, ao mesmo tempo que atrai visitantes e cidadãos para momentos de fruição nos seus recantos.

Do seu rooftop, a cereja no topo do bolo, tem-se uma das melhores panorâmicas de Coimbra: o Mondego desde a ponte Rainha Santa Isabel, todo o Parque Verde, a ponte pedonal Pedro e Inês, o velho parque Manuel Braga, a Portagem. Do outro lado, o Choupalinho com a sua Praça da Canção, palco das Queimas das Fitas (e o convento de São Francisco, e Santa Clara-a-Velha, e o Portugal dos Pequenitos, tantos pretextos para atravessar a Ponte de Santa Clara).

Completando os 180 graus ou pouco mais, ergue-se, majestosa (apesar das obras), a jóia da coroa: a Biblioteca Joanina, que dali quase se pode tocar com a ponta dos dedos. O Paço das Escolas, emoldurado pela Faculdade de Direito, a Cabra, a Via Latina e a Porta Férrea. Dali os turistas tiram fotografias à cidade e ao rio — e nós, neste miradouro suspenso do céu, ao magnífico património que está por trás deles.

A melhor hora para vir é a partir das seis da tarde, quando abre o bar. É também a ‘Hora do Vinho’, por isso vale a pena começar pela Tasca das Camellas, no pátio do hotel, para beber o copo de vinho que o hotel oferece às seis em ponto. Quem sabe encontra por lá outras estrelas, do mundo da arte e do espectáculo, tantas são as que por lá passam.

“(...) A Tasca das Camelas / Para mim era um sonho, o céu cheio de estrelas: / Nossa Senhora a dar de cear aos estudantes / Por 6 e 5! Mas ah! foi-se a Virgem dantes / Tia Camela... só ficou a camelice.”

Sim, a rua tem tradição de tasca. Antes do Pratas já por ali existira a tasca assim cantada pelo poeta António Nobre, em (“o livro mais triste que há em Portugal”, publicado em Paris, em 1892). Eça de Queiroz e Antero de Quental, e outros da Geração de 70, comeram e beberam na Tasca das Camelas, na Alta coimbrã.

Carlos Fiolhais conta a estória: “A tasca era assim chamada por ser de três irmãs todas elas Camelas e todas elas com o nome da Virgem. As Memórias contam que os estudantes perguntavam a uma qualquer das Marias Camelas: ‘Ó tia Maria, quanto devo aí?’ E a resposta era sempre generosa: ‘Filho, tu é que sabes; eu sei lá quanto comeste, nem quanto gastaste?’”.

Da camelice ficou o conceito sunset “Hora do Vinho”, a convidar para uma paragem ao fim da tarde debaixo da frondosa e centenária nogueira, de cujas nozes se farão a sobremesa da casa, a Sapientia, a não perder. Prolongue-se o sunset, pois já não apetece sair dali, e peça-se a imponente tábua Sapientia. Degustem-se os queijos, o presunto, as empadas de cabrito, o humus de grão, os frutos secos, o bacalhau com grão.

Um dia poderemos escolher o vinho na garrafeira subterrânea, dentro da cisterna do século XVI que, nas escavações, aterrou entre a recepção e o pátio, obrigando a uma intervenção arquitectónica inesperada que a Depa Architects transformou num resultado surpreendente: a passagem faz-se em vidro por cima da cisterna, iluminada desde metade dos seus seis metros de profundidade, para realçar a pétrea estrutura.

 

Quartos personalizados

Apetece ficar? A escolha dos aposentos é uma ida à biblioteca. São 22 unidades de alojamento de elevada qualidade — seis quartos, 16 apartamentos, suítes e lofts e quatro superior one bedroom apt —, cada uma inspirada num escritor português com ligações a Coimbra. E Fernando Pessoa, claro, cuja primeira edição da Mensagem está na Biblioteca Joanina. Os quartos são personalizados de acordo com o autor que lhe dá o nome, mas também têm uma personalidade própria em termos de arquitectura e decoração.

Ficamos no invulgar Ramalho Ortigão superior one bedroom apt: uma unidade generosa em espaço, (60 m2), as Farpas por cima da cama king size, seis janelas altas, os tectos trabalhados, o clássico a fluir para o contemporâneo e uma solução surpreendente — a box de microcimento, um paralelipípedo preto onde se encaixa o wc de um lado e a kitchenette do outro. Perfeito para uma família, ou para uma estada mais prolongada, pois dispõe de mesa de trabalho, dois televisores e cozinha equipada para quatro pessoas.

Mais pequenas, mas com o mesmo equipamento, as cinco júnior suítes destacam-se por terem varandas e vistas únicas. Na júnior suíte Vitorino Nemésio, o desnível marca os espaços sala e quarto, e à cama, num nível superior, chega o Mondego por uma janela e entra a Cabra, a torre da universidade, por outra.

Para o double room Fernando Namora espreitam a Biblioteca Joanina e as Escadas de Minerva, onde a estátua da deusa romana do saber vigia o portal de acesso ao Paço das Escolas. É uma das três imagens da Sapiência ali existentes — além da Porta Férrea e da Via Latina —, e a sua proximidade tornou-a a padroeira deste hotel raro.

E depois há os lofts, românticos como eles só. Construído em dois pisos, o Rui Belo tem a zona de estar na mezzanine e ao nível térreo o quarto com cama de dossel e porta directa para o Pátio, onde tudo começa e acaba, mas o que importa está no meio.

 

Positivo

Ainda que tenha um wine bar com uma carta variada de tapas com design, produtos portugueses e uma carta de vinhos cuidada, aberto das 18h às 22 horas, o hotel não dispõe de um restaurante próprio. Também não dispõe de estacionamento privativo, pelo que se recomenda chegar tarde, após o horário laboral, se vier de carro.

 

Negativo

Ainda que tenha um wine bar com uma carta variada de tapas com design, produtos portugueses e uma carta de vinhos cuidada, aberto das 18h às 22 horas, o hotel não dispõe de um restaurante próprio. Também não dispõe de estacionamento privativo, pelo que se recomenda chegar tarde, após o horário laboral, se vier de carro.

 

 

Guia

Quando ir

 

Sempre, para ficar e dormir; todos os dias às 18h, para relaxar um pouco. É a hora do vinho, em que o hotel oferece aos seus clientes um copo do vinho da marca registada da casa, o Antonino Vidal, um néctar de grande harmonia e forte personalidade. Uma homenagem à memória de Antonino José Rodrigues Vidal, professor da Universidade de Coimbra no século XIX, que foi também produtor de vinhos e o primeiro dono de um dos edifícios onde está o Sapientia.

 

 

O que fazer

Descobrir a pé a “Universidade de Coimbra Alta e Sofia Património da Humanidade”, mas também a zona ribeirinha, descendo pela Couraça de Lisboa até ao Largo da Portagem, e dali até um dos parques, o Convento de São Francisco ou Santa Clara-a-Velha. Ou percorrer a Rua da Sofia até ao Mosteiro de Santa Cruz, onde está sepultado D. Afonso Henriques, e subir de novo até à Praça da República, escalar as Escadas Monumentais e voltar ao Sapientia antes das 18 horas, a tempo da Hora do Vinho.

A Fugas esteve alojada a convite do Sapientia Boutique Hotel