FeelViana
Brotou no pinhal da praia do Cabedelo e ameaça mudar a história de Viana do Castelo. Faça chuva ou faça sol. Lá fora ou cá dentro — ou lá dentro e cá fora? Os dois, se faz favor.
Radicalmente confortável ou confortavelmente radical? Tailleur ou chinelos de dedo? Areia do Cabedelo ou tapetes do Paquistão? Arte contemporânea ou acção espontânea? Lá fora ou cá dentro — ou lá dentro e cá fora? Os dois, se faz favor. Aqui, um não vive sem o outro.
“Ousado, único e exclusivo”. Prazer em conhecê-lo. High five. Nasceu na margem sul de Viana do Castelo e foi inaugurada 11 meses depois, em Maio de 2017 — brotou como os edifícios num jogo de estratégia — a unidade hoteleira quatro estrelas superior, um conceito sofisticado de lazer e conforto, um refúgio camaleónico onde é perfeita a fusão entre natureza e bem-estar, relaxamento e evasão, a serenidade do spa e a adrenalina do kitesurf, chefs raptados ao Avillez e pratos gulosos.
O FeelViana, vizinho das ruínas da antiga discoteca Luziamar, cheira a pinho cortado de fresco, cheira a hotel plantado de fresco, um investimento de 6 milhões de euros (incentivo Portugal 2020 de sensivelmente 3,5 milhões com uma invulgar nota de Mérito de Projecto de 4,53 em 5) com assinatura do arquitecto Carlos Castanheira (interiores da Central de Arquitectos), 46 quartos (15 dos quais suítes), nove bungalows, uma piscina interior e uma exterior, spa, ginásio e estúdio de ioga, business center com plateia para 80 pessoas, um restaurante (e duas cozinhas non stop), lounge bar, Sports Center e — ufa! — uma “Pump Track” coberta (circuito para biclas e skate), aproveitando um espaço morto do edifício sobre palafitas.
“O rés-do-chão é para a acção, o primeiro andar é para relaxar”, sugere Manuela Sampaio, omnipresente administradora que olha para este Feel (há outro Feel, a FeelDouro, com uma frota de seis barcos ancorados na Afurada e no Pinhão) como quem olha para uma peça de filigrana, um trabalho ornamental feito de fios muito finos. “A ideia”, diz, “surgiu em 2006”, depois de outro projecto de vida, o da indústria têxtil, ter esbarrado na crise. Estamos no 1.º andar — a recepção também — e rodeados por janelas rasgadas para o pinhal, a praia e o mar e por três espaços polvilhados por arte contemporânea (vá pelos seus olhos: pintura de Celeste Maia, Engrácia Cardoso e Mónica Mindelis, escultura com assinatura de Alberto Vieira e José Anahory) e por... cozinha contemporânea (uma carta com seis entradas, seis pratos e seis sobremesas; outra com sanduíches, smoothies, pequenos doces, brunches e saladas). Cá em cima, Hugo Hernâni constrói de raiz a cozinha principal. Lá em baixo, manda a chef pasteleira Yulia Khasanova. Os salgados no 1.º andar, os doces no rés-do-chão.
“A garagem no rés-do-chão e a casa no primeiro andar”, brinca Bruno, manager do Sports Center, peça essencial da engrenagem do primeiro Sport Hotel de Portugal, aproveitando o enquadramento no pinhal da ventosa praia do Cabedelo: mar, monte de Santa Luzia e rio Lima. Estamos no rés-do-chão. À nossa frente está uma prancha XXL de mega SUP (Stand Up Paddle), material topo de gama para desportos aquáticos (kitesurf, surf, bodyboard, windsurf e vela) e uma frota luxuosa de bicicletas (da marca Scott, um dos muitos parceiros do hotel como a Samsung, a ONDA Wetsuits, a Garmin e a Viana Cycles, com uma loja incorporada no Sports Center).
“À volta do hotel há muito trabalho”, comenta José Sampaio, CEO do hotel. José é filho de peixe e sabe voar. “É obcecado pelo kitesurf”, diz a mãe, Manuela. Já fez Caminha-Porto na companhia de uma prancha e uma asa. Sofre quando não está vento. “Há pessoas que fazem férias atrás do vento. A miséria de uns é a alegria de outros”, sorri, enquanto consulta as aplicações com auspiciosas previsões meteorológicas. À volta do hotel, sublinha, há “um projecto pioneiro” que pretende “combater a sazonalidade” e mudar a cara da cidade, que, para o bem e para o mal, tende a guardar para si as suas maravilhas.
O FeelViana está em contacto, sente o pulso à cidade, pedala até ao santuário, reinventa as iguarias, protege as dunas (“elas protegem-no a si”) e investe de uma forma sustentável. Bruno explica a teoria (“Se o meu vizinho fizer algo bom, vou fazer pelo menos igual”) e deixa uma das muitas receitas: o Feel investiu 20 mil euros em equipamento que foi entregue aos nadadores salvadores (barco de apoio, binóculos, kit de oxigénio, rádios à prova de água, fatos isotérmicos e capacetes). Objectivo? “Um: praia segura. Dois: época balnear alargada. Três: elevar a fasquia”, responde Bruno enquanto ultima a preparação de um teste para um plano de evacuação de um raider de kitesurf politraumatizado (em coordenação com os nadadores lalvadores e o Hospital de Viana do Castelo).
Num par de dias fizemos a prova dos nove. Está frio e escuro lá fora. Há um hotel radicalmente confortável cá dentro, um spa com amplas braçadas, vista panorâmica muito nórdica e massagens looooongas. Amanhece com borrasca lá fora. Tomamos um longo pequeno-almoço cá dentro, sentados nas cadeiras Acapulco verde água a olhar para os pinheiros e a linha de mar. “Cavalgamos” uma Big Jon (“fat bikes” que não conhecem nem terrenos nem estações impossíveis) pela areia da praia até ao Castelo do Neiva. Pedalamos mar adentro com água pelos joelhos. Está sol lá fora. #nowindnoproblem. Abraçamos uma SUP, subimos o rio, descemos o rio, contrariamos a corrente. Equilibramo-nos numa prancha de surf. Sorvemos um Poderoso Açaí (e um hambúrguer de novilho da serra D’Arga) lá dentro. Chegou o vento! Festa lá fora! Asas no ar. José Sampaio a deslizar — um olho no mar, o outro na estrutura de apoio, um satélite que está a ser construído na praia.
O FeelViana é feito de pequenos detalhes. Tem um leque de instrutores (reforçado nos meses mais quentes por uma equipa de especialistas estrangeiros). Tem uma professora de ioga e de pilates (também fisioterapeuta). Tem bicicletas de estrada, remos de carbono, desconto do aluguer numa possível compra de equipamento e cacifos para ventilação de fatos isotérmicos. Quer ampliar a carta do restaurante e quer ter uma nutricionista na equipa.
Viana ainda é o que era? Subimos o monte de Santa Luzia para olhar para o Cabedelo. Descemos o rio Lima e chegamos ao Cabedelo. Atravessamos a Ponte Eiffel e damos com o Cabedelo. Bolas de Berlim no Cabedelo? Isso ainda é segredo.
Duas cozinhas gulosas
“Ela gosta de salgadinhos, ele de docinhos”. Manuela Sampaio trata das apresentações. Yulia Khasanova, russa de 31 anos, está na cozinha do rés-do-chão rodeada de sobremesas que parecem ter saído do imaginário de Roald Dahl. Hugo Hernâni, 37 anos, está na cozinha do 1º andar, onde cria “comida gulosa”. São namorados. E pecam. “Não quero alcançar nenhuma estrela, mas quero criar comida gulosa”, sublinha à Fugas, que entretanto já tentara não se empanturrar com as gulodices — doces e salgadas.
As cozinhas são uma peça do puzzle FeelViana. “A cozinha não fecha”, explica o chef Hugo, “raptado” ao chef Avillez, com quem cozinhou depois da formação na Escola de Hotelaria do Porto e em algumas das grandes e “estreladas” cozinhas europeias (Le Cordon Bleu e Bernard Loiseaux, em Paris, Seagrill, na Bélgica, Trussardi Alla Scala, em Milão, Raymond Blanc, na Inglaterra, e Le Bouquet Garni, no Luxemburgo).
Hugo Hernâni lidera uma equipa de nove pessoas e gere uma cozinha que “não fecha”. Para além da carta do restaurante, há uma lista de brunch e saladas, sanduíches (atenção: esta não é uma tosta mista qualquer), smoothies (Poderoso Açaí ou Banana Power? Venha o Diabo e escolha) e pequenos doces. “Comida cuidada, contemporânea e gulosa”, aponta o jovem chef.
Sugestão do primeiro andar: gnocchi de batata doce do Alentejo, robalo suculento com puré de ervilhas e funcho braseado, lombo de novilho da serra D’Arga com abóbora manteiga, cenoura, tapenade de azeitonas, pickles de cebola e jus de novilho.
Sugestão do rés-do-chão: torta de laranja FeelViana (curd de laranja, crumble e gelado de canela), coalhada de limão com sorbet de poejo e panacota, fruta marinada, merengue, crocante de mel e sorbet de pêssego de vinha. Salgadinho ou docinho? Escolhemos tudo. Próxima etapa: Sports Center.
A Fugas esteve alojada a convite do FeelViana