PÚBLICO/Arquivo

Carta de uma jovem emigrada à sua pátria

Querida Pátria,

Há três meses estava a embarcar no voo que mudaria a minha vida. A bagagem ia sem certezas, sem garantias; o coração ia pesado, apertado, envolto numa ansiedade sem precedentes. O que me leva a sair da minha cidade, do meu país, do meu ninho? Valerão a pena todas as despedidas? O que é que posso esperar desta nova aventura?

A falta de respostas sufocava-me por inteiro e independentemente de tamanha insegurança, voltando costas ao meu país, fui-me embora. Hoje, escrevo-te a quase dois mil quilómetros de distância, na minha nova casa. Confesso que tenho saudades tuas, mas a vontade de me expor ao mundo conquistou-me o coração – e sou capaz de afirmar de modo veemente: fazer as malas foi a melhor decisão tomada em tenros 18 anos de vida.

De facto, se há algo que deves alterar, meu querido Portugal, é a tua predisposição para enxotares jovens como eu – rapazes e raparigas recentemente feitos homens e mulheres, mas já com obrigações de adultos e um número razoável de novas responsabilidades. E o futuro? Esse será entregue ao destino ou, na melhor das hipóteses, a outro país que o acolha.

Entristece-me compreender que para ti não fui suficiente e, até ao mais ínfimo ponto dos teus requerimentos, consegui falhar em tudo. Escolhi mal a área de estudo, planeei erradamente o meu percurso académico e hoje ambiciono uma profissão bastante menosprezada. Ficar confortavelmente em casa, estudar em Lisboa e tentar ingressar no mercado de trabalho português constituiria a conjetura fatal para mim e para as minhas ambições profissionais, sempre encarados como sendo “fora da órbita” ideal.

Aí, tirar a licenciatura que me enche o coração não seria mais do que uma garantia de desemprego, e todas as promessas feitas ao longo da clássica campanha de ingresso ao ensino superior deixaram toda uma vastidão de desejos por saciar.

Na verdade, haverá sempre quem argumente que o problema é passageiro, que as coisas amanhã serão melhores, que a geringonça voltará a funcionar plenamente um dia. Vivemos numa sociedade otimista, repleta de gerações incapazes de compreender que o mundo mudou. Atingimos o ponto de ebulição enquanto Pátria portuguesa, independentemente de Trump ter sido eleito ou do Reino Unido ter decidido abandonar o navio europeu. Dentro das tuas fronteiras, ao longo das ruas de Lisboa, dos rios do Norte e das praias do Sul, as mutações políticas e económicas também começam a manifestar-se. E apesar de todo o meu amor por ti continuar aceso tal como fogo que arde sem se ver, custa-me assistir à tua imobilidade.

Cada dia que passa, acentua-se a tristeza ao ver mais gente como eu no país onde optei por viver. Estes números, senhores ministros, não são consequência de uma Nação globalizada, são, pois, efeitos diretos da vossa indiferença à qualidade do nosso futuro. Hoje, aos 18 anos, já há quem julgue ser impossível apelar a sentimentos de patriotismo, na medida em que é a própria Pátria quem nos corta as asas.

Colocando valores e opiniões políticas à parte, é necessário o teu povo crescer em posturas e valores éticos consentâneos com a realidade portuguesa. Há que adotar novas medidas e promover um exercício de crescimento coletivo, enquanto Nação valente e imortal. Como tal, devemos zelar e trabalhar incansavelmente de modo a atingir os fins desejados. A nossa dívida não vai diminuir por causa de likes no Facebook, Costa não vai resignar-se apenas porque Passos veste Prada e nós, os emigrantes, não haveremos de voltar enquanto tu, meu querido Portugal, não voltares a girar nos eixos corretos. Gosto de olhar para ti e pensar que talvez estejas a ultrapassar uma fase complicada da adolescência, um pico de rebeldia que te torna incontrolável, mas que um dia naturalmente se resolverá, tal como ordena o desenvolvimento de uma vida.

As tuas atitudes incoerentes têm sempre desculpa, ao contrário das minhas. Eu tive de crescer e sair de casa, tu estagnaste e não te preocupas em sair dessa serenidade arrogante. Consequentemente, tens vindo a figurar uma criança imatura no contexto internacional, não és capaz de instalar ordem no teu esplendor, tens a esquerda e a direita às turras dentro e fora da Assembleia, tens desemprego, tens fome, e transpareces profundo sentimento de desilusão.

Entre as brumas da memória, sente-se de facto uma voz que há-de guiar-te a um futuro incerto. Tenho o coração cheio de esperança e acredito plenamente que um dia serás ainda maior. Eu saí do país, mas o meu orgulho não perdeu a força. Como acrescentaria Pessoa, “ninguém suspeita do meu amor patriótico”, da minha ambição em reerguer a tua bandeira a meia haste. Se assim o desejares, daqui para a frente, cabe-te a ti e ao teu povo a missão de reinstalar sucesso sobre a terra e sobre o mar. Mas por enquanto, contra os canhões, resta-nos emigrar, emigrar?

O meu nome é Luisa Moreira, já somei 18 anos e sou de Lisboa. Acredito que é indispensável sermos cheios. Cheios de nós próprios, cheios do mundo e da vida, cheios de sentido e de amor. Damos sentido à vida e a vida dá-nos sentido a nós.