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Memorial de um planeta outrora Terra

Era uma vez uma sociedade global que, no rejúbilo das suas conquistas em pleno ano de dois mil e dezasseis depois de Cristo, menosprezou as repercussões dos seus actos. Hoje, eu própria tenho vergonha de pertencer a essa sociedade cujo quotidiano se rege sempre pelas mesmas preocupações: a ansiedade de chegar a casa, o impeachment no telejornal, a queda do Governo na Assembleia, a exigência dos trabalhos de casa, os compromissos com a escola ou até a iminência de um futuro disfórico que corre na nossa direcção. Estes são apenas alguns factores que nos permitem imediatamente identificar o mundo a que me refiro e que, aliado à tentativa de manutenção assídua das nossas relações e outros assuntos pendentes que, por teimosia, tendemos a adiar, contribuem para a sucessiva deteorização da sociedade. De facto, o ciclo que mencionei repete-se ininterruptamente. E a consequência de carregarmos às costas o peso de projetos de vida egocentristas é a dificuldade de sair dessa cegueira.

A verdade é que é sempre “só mais uma vez”, só mais um dia que passa, só mais uma oportunidade de mudar desperdiçada. Mas todos esses momentos somados são grandezas astronómicas, valores que transcendem o limite máximo de luxos que podemos possuir. De facto, ao fim de tantos anos julguei que alguém fosse capaz de quebrar o conformismo que nos caracteriza. E sim, houve efetivamente escassas dezenas de pessoas que moveram montanhas de forma a implementar reformas e que, em última instância, foram bem sucedidas. Porém, infelizmente, não podemos apagar da equação quase oito mil milhões de pessoas que não levantam a voz.

Ainda assim, para uns, a realidade já começa a ficar nítida: é necessário parar. Parar de sermos egoístas, parar de nos colocarmos constantemente em primeiro lugar, parar com esta inércia maligna. Muitas vezes autoproclamamo-nos donos do mundo e, para ser honesta, somos apenas ridiculos por tal presunção. De facto, o planeta Terra é a nossa casa e, mais concretamente, está efetivamente saturado de todo o tipo de atitudes que temos vindo a tomar. Por outras palavras, o modo como o ser humano tem vindo a desenvolver as ferramentas que utiliza estão constantemente a prejudicar a nossa casa. Não é recente esta tendência para medir forças com o meio ambiente e a falsa crença em que, lá porque ganhamos, o planeta também sai vitorioso. É uma pena estas brincadeiras insustentáveis custarem “apenas” a vida do único corpo celeste que nos oferece abrigo.

Contudo, sinto-me incapaz de explicar o meu ponto de vista através de outra abordagem para que todos o entendam. Perdoem-me a falta de termos científicos nos meus argumentos, mas será que isso chega sequer a ser relevante? De acordo com cientistas, tudo na Natureza se rege por leis e princípios muito bem definidos aos quais estão afiliadas sempre as mesmas consequências. Significa isto que, para retificarmos os nossos comportamentos excessivos e de modo a suavizar o desastre iminente, temos de arranjar mais uns quantos planetas Terra apenas para o conseguir “abrandar”.

Porém, a repetição deste aviso não parece ser suficiente. Com regularidade reflicto sobre o meu papel aqui. Faria a diferença se não estivesse por cá? O que é que posso mudar em mim para começar a fazer a diferença? Fico sempre muito admirada quando afirmam que “cada um de nós tem um papel único e imprescendível”; mas se o meu papel for o de destruir a Terra, então prefiro não ter um de todo. Rapidamente sinto uma vergonha gigantesca e questiono por que é que não há mais pessoas a sentirem o mesmo. Apesar de não me orgulhar particularmente de pertencer a esta geração, sinto-me deveras sortuda por estar viva neste momento. Independentemente daquilo que acontecer, sei que terei uma grande história para contar às gerações seguintes. Ou não. E é neste ponto que o medo se volta a apoderar de mim. O relógio não pára e o futuro caótico que alimentamos aproxima-se a uma velocidade estonteante. Sem planeta, não há vida humana. Sem planeta, não haverá mais nada.

Como tal, hoje tive a sorte de poder sentir a pele aquecida pelo Sol e entristece-me que talvez daqui a uns anos um adulto da minha idade não possa passar pela mesma experiência. Os dias que vivemos começaram a ser assegurados pelos nossos antepassados, e a urgência em repetirmos o gesto agrava-se. Quando escurecer, não estarei aqui... mas alguém estará. Então, cada vez que preferirem comprar uma embalagem nova em vez de reciclar a que têm em casa, lembrem-se: um dia, daqui a uns anos, os vossos filhos é que vão sofrer as consequências e perguntar-vos onde é que vocês tinham a cabeça. Hoje ainda não é tarde demais. Mas amanhã talvez já seja.

O meu nome é Luisa Moreira, já somei 18 anos e sou de Lisboa. Acredito que é indispensável sermos cheios. Cheios de nós próprios, cheios do mundo e da vida, cheios de sentido e de amor. Damos sentido à vida e a vida dá-nos sentido a nós.