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No tempo certo

– «Ai, ai! Já vou chegar atrasado!» –, ouvi antes de fechar a porta do quarto atrás de mim.

– Despachas-te ou não? –, pediu a voz desesperada que, ao passar pela minha porta, bate com o punho, fazendo aumentar o meu stress, logo para começar bem um dia!

Sempre a dizerem as mesmas coisas, sem qualquer objectivo ou fundamento, apenas criam situações desconfortáveis, será que não se cansam? Porque eu sim! O mundo gira e tudo o que acontece é dominado pela pressa. Mas de que vale isso? Não vamos chegar lá, onde quer que “lá” seja, mais depressa, pois cada um «começa a correr quando quer, e só pára quando lhe apetece». Portanto o "lá" é puramente abstracto… Será que não podemos aceitar que estamos a fazer tudo no tempo certo? Aproveitar os momentos com a serenidade que eles merecem? Largar a pressa e a urgência do tempo e fazer com que haja um segundo de calma, plenamente vivido?

– Demoras muito?! –, insiste a voz.

Pois, parece que não.

Com tanta correria, adiantei-me e espero o metropolitano oito minutos adicionais ao habitual. Oito minutos perdidos, porque a razão pela qual temos pressa calculo que seja por termos noção de que o nosso tempo chega a um fim. É uma ampulheta que não podemos girar e que cede às leis da gravidade, e na nossa dita qualidade de seres racionais queremos fazer mais, chegar a um objectivo inalcançável que é apenas fascinante por assim o ser. Por isso, tornamo-nos pessoas insatisfeitas com o relógio que usamos no pulso, pessoas que repugnam aqueles que os rodeiam e que não respeitam quem tem pressa porque, parece que ter pressa faz de nós pessoas empenhadas na tarefa de viver.

Mas quando estamos completamente perdidos mentalmente faz tão bem deixarmo-nos perder geograficamente... Abrandar o passo, descontrair o corpo, relaxar os braços, ceder ao peso da cabeça, arrastar a mala pela calçada portuguesa, abrir o espírito numa tentativa de deixar a confusão esvanecer-se no ar e apenas captar o som dos pássaros, das folhas que chegaram ao seu fim a levantar voo, dos sons que acalmam e que nos ligam à Terra mais do que os olhos conseguem.

E é no momento, em que já não é possível estarmos mais saturados de tudo, que encontramos o sinal que tanto procurávamos. O sinal que nos dá esperança, aquele que impulsiona uma nova vontade de estar, o gatilho que dispara coragem e talvez fé em nós e no sentido de vaguearmos por aqui. O sinal leva o seu caminho para chegar, e por mais insignificante que possa parecer aos olhos de muitos, é o que basta para sentir esta esperança que, muitas vezes, parece perdida. Pegar nele e interpretá-lo – dependendo do que cada um faz dele –, muda os percursos e aonde estes nos levam.

E o meu percurso agora é este: “Cais do Sodré. Estação terminal. Há correspondência com o comboio suburbano e o transporte fluvial." As portas abrem-se e deixo-me levar no meio do mar de pessoas apressadas. Tento lutar contra a corrente e permaneço no mesmo sítio, com os all star vermelhos a contrastarem com o piso irregular amarelo que indica a linha de segurança que separa o cais dos carris. Rápida ou talvez lentamente, a multidão dissipa-se e até o comboio me abandona. Eu de frente para as longas pernas de coelho em movimento de corrida, mas não é um coelho qualquer, este faz-nos sentir pequenos. O coelho veste um blazer e tenta controlar, com ar apressado, o relógio de bolso que leva na mão. Do meu tamanho, por baixo de uma série de coelhos que dependem do tempo estão as letras “ E S T O U A T R A S A D O”. É um sinal?

Nota: As frases entre «aspas» são do livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll.

Já tive a minha quinzena de Outonos e por mais que deseje que o Verão não acabe, este termina e chega mais um aniversário. Sou a Leonor Castelo, tenho 15 anos, vivo em Lisboa e ando à procura!